quinta-feira, 13 de novembro de 2014

AUTO-RETRATO FALADO




Venho de um Cuiabá de garimpos e de ruelas entortadas.
Meu pai teve uma venda no Beco da Marinha, onde nasci.
Me criei no Pantanal de Corumbá entre bichos do chão,
aves, pessoas humildes, árvores e rios.
Aprecio viver em lugares decadentes por gosto de estar
entre pedras e lagartos.
Já publiquei 10 livros de poesia: ao publicá-los me sinto
meio desonrado e fujo para o Pantanal onde sou
abençoado a garças.
Me procurei a vida inteira e não me achei — pelo que
fui salvo.
Não estou na sarjeta porque herdei uma fazenda de gado.
Os bois me recriam.
Agora eu sou tão ocaso!
Estou na categoria de sofrer da moral porque só faço
coisas inúteis.
No meu morrer tem uma dor de árvore.


- Manoel de Barros,
 do "Livro das Ignorãças"


19/12/1916 - 13/11/2014


2 comentários:

  1. Justa homenagem a este poeta ímpar, que a partir da desconstrução do texto acadêmico construiu sua obra, marcada pela originalidade.
    Tenhas uma boa noite.

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  2. Um poeta original, com toda certeza, Dilmar!
    Obrigada pela visita!

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