domingo, 31 de março de 2013

STEVENSON



Tão belas
são as coisas
do mundo,
em sinais
e números,
em formas
e matizes,
que penso
podermos ser reis
coroados,
sábios,
felizes!

Robert Louis Stevenson

quinta-feira, 28 de março de 2013

IMPRECISA PREMISSA


(quantas curitibas cabem numa só Curitiba)

Cidades pequenas,
como dói esse silêncio,
cantilenas, ladainhas,
tudo aquilo que nem penso,
esse excesso
que me faz ver todo o senso,
imprecisa premissa,
definitiva preguiça
com que sobe, indeciso,
o mais ou menos do incenso.
Vila de Nossa Senhora
da Luz dos Pinhais,
tende piedade de nós.


Paulo Leminski,
in Toda Poesia

quarta-feira, 27 de março de 2013

SOBRE A POESIA



Creio ser algo maior
– além de mera e fugaz
"matéria de sonho".

Algo quase tão
– insuportavelmente belo:

Quando em excelência
melhor cultivado;

Quando irrompe altivo
após chuva sobre o arado;

Quando não abriga ou tolera
riso, rima ou vereda menor!

Algo, sim – que nos alimenta
e salva da feroz vilania
do existir absurdo;

Da cotidiana demência.
Da cruel verdade e falácia:

Ambas – não privilégio
de tristes tempos nossos.

Algo que quase Tudo pode
abarcar – e que nada quer
ou pretende explicar:

Mas que, ainda assim,
sempre lemos levados por
curioso prazer – até o fim!


*Jairo De Britto,
 em “Dunas de Marfim”.


PARA ESCREVER UM SIMPLES VERSO


Para escrever um simples verso, 
é preciso conhecer muitas cidades, homens, animais
é preciso ter a alma aberta
para o voo dos pássaros
e ser capaz de perceber os gestos das flores
que se abrem ao amanhecer

Para escrever um simples verso,
é preciso viajar por regiões desconhecidas.
Estar preparado para encontros e desencontros inesperados.
É Preciso saber voltar a momentos de nossa infância
que até hoje não conseguimos compreender.
É preciso lembrar do que sentimos
quando ferimos alguém
que sempre nos desejou o melhor possível.

Para escrever um simples verso,
é preciso passar muitas manhãs diante do mar,
muitas tardes diante o pôr-do-sol
muitas noites diante de quem amamos
tudo isso para escrever um simples verso.

Para escrever um simples verso,
não basta lembrar-se do passado
é preciso saber esquecer
e ter paciência para esperar
até que suas lembranças
retornem novamente.

Porque um verso não é feito de memórias
ele transforma-se em nosso sangue,
e se confunde com a própria existência.
Só então chega o momento mágico
quando nasce a primeira palavra.
e ela traz consigo o verdadeiro poema.

Rainer Maria Rilke








domingo, 24 de março de 2013

RAINER MARIA RILKE



"Aprendo isso diariamente,
 aprendo em meio às dores às 
quais sou grato:
 a paciência é tudo!"

Rainer Maria Rilke


sábado, 23 de março de 2013

PARA ATRAVESSAR CONTIGO O DESERTO DO MUNDO



Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para enfrentarmos juntos o terror da morte
Para ver a verdade para perder o medo
Ao lado dos teus passos caminhei

Por ti deixei meu reino meu segredo
Minha rápida noite meu silêncio
Minha pérola redonda e seu oriente
Meu espelho minha vida minha imagem
E abandonei os jardins do paraíso

Cá fora à luz sem véu do dia duro
Sem os espelhos vi que estava nua
E ao descampado se chamava tempo

Por isso com teus gestos me vestiste
E aprendi a viver em pleno vento

Sophia de Mello Breyner Andresen

PAULO LEMINSKI



Achar
a porta que esqueceram de fechar.
O beco com saída.
A porta sem chave.
A vida.

Paulo Leminski,
in Toda Poesia

sexta-feira, 22 de março de 2013

COMO SE DESENHA UMA CASA



Primeiro abre-se a porta
por dentro sobre a tela imatura onde previamente
se escreveram palavras antigas: o cão, o jardim impresente,
a mãe para sempre morta.

Anoiteceu, apagamos a luz e, depois,
como uma foto que se guarda na carteira,
iluminam-se no quintal as flores da macieira
e, no papel de parede, agitam-se as recordações.

Protege-te delas, das recordações,
dos seus ócios, das suas conspirações;
usa cores morosas, tons mais-que-perfeitos:
o rosa para as lágrimas, o azul para os sonhos desfeitos.

Uma casa é as ruínas de uma casa,
uma coisa ameaçadora à espera de uma palavra;
desenha-a como quem embala um remorso,
com algum grau de abstracção e sem um plano rigoroso.


MANUEL ANTÓNIO PINA.

quinta-feira, 21 de março de 2013

POEMA DO AFINAL



No mesmo instante em que eu, aqui e agora,
Limpo o suor e fujo ao Sol ardente,
Outros, outros como eu, além e agora,
Estremecem de frio e em roupas se agasalham.

Enquanto o Sol assoma, aqui, no horizonte,
E as aves cantam e as flores em cores se exaltam,
Além, no mesmo instante, o mesmo Sol se esconde,
As aves emudecem e as flores cerram as pétalas.
Enquanto eu me levanto e aqui começo o dia,
Outros, no mesmo instante, exactamente o acabam.
Eu trabalho, eles dormem; eu durmo, eles trabalham.
Sempre no mesmo instante.

Aqui é Primavera. Além é Verão.
Mais além é Outono. Além, Inverno.
E nos relógios igualmente certos,
Aqui e agora,
O meu marca meio-dia e o de além meia-noite.

Olho o céu e contemplo as estrelas que fulgem.
Busco as constelações, balbucio os seus nomes.
Nasci a olhá-las, conheço-as uma a uma.
São sempre as mesmas, aqui, agora e sempre.

Mas além, mais além, o céu é outro,
Outras são as estrelas, reunidas
Noutras constelações.

Eu nunca vi as deles;
Eles,
Nunca viram as minhas.

A Natureza separa-nos.
E as naturezas.
A cor da pele, a altura, a envergadura,
As mãos, os pés, as bocas, os narizes,
A maneira de olhar, o modo de sorrir,
Os tiques, as manias, as línguas, as certezas.

Tudo.

Afinal
Que haverá de comum entre nós?

Um ponto, no infinito.


António Gedeão

terça-feira, 19 de março de 2013

NO FUNDO DA GARGANTA



Na mata o silêncio
cobre as folhas:
todas as palavras
que não foram ditas,
as que ficaram presas
no fundo da garganta
aqui habitam,
metade terra-metade ar.
As que mudariam
o rumo de uma vida,
as que se perderam,
as que se desmancharam,
as que nem nasceram.

Roseana Murray
In Poemas para ler na escola

sábado, 16 de março de 2013

NUM DIA EM QUE EU FICAR SOZINHA



terei saudade
da manhã em discordância
da flor delirante
e da nudez da nuvem.

terei saudade
da claridade do outono
em esplendor que se despede.

terei saudade
da surpresa da flor singela
com passo choroso
a bater em minha alma
como pingo d’água.

terei saudade
da maciez da noite quieta e morna
com sede de lua falante.

terei saudade
de meu pensamento sonâmbulo
saudade do irreal.

Alvina Nunes Tzovenos
Palavras ao Tempo

sexta-feira, 15 de março de 2013

O SILÊNCIO



" O silêncio é a minha maior tentação. As
palavras, esse vício ocidental, estão gastas
envelhecidas, envilecidas. Fatigadas, exasperam.
E mentem, separam, ferem, também apaziguam, é
certo, mas é tão raro! Por cada palavra que chega 
até nós,ainda quente das entranhas do ser, 
quanta baba nos escorre em cima a fingir de 
música suprema! A plenitude do silêncio
só os orientais a conhecem."

Eugénio de Andrade

quinta-feira, 14 de março de 2013

EMILY DICKINSON



A dor - tem um elemento de vazio -
Não se consegue lembrar
De quando começou - ou se houve
Um tempo em que não existiu -

Não tem futuro - para lá de si própria -
O seu infinito contém
O seu passado - iluminado para aperceber
Novas épocas - de dor.

Emily Dickinson

terça-feira, 12 de março de 2013

FIODOR DOSTOIEVSKI



Tenta fazer esta experiência, construindo um palácio.
 Equipa-o com mármore, quadros, ouro, pássaros do paraíso,
 jardins suspensos, todo o tipo de coisas... e entra lá
 para dentro. Bem, pode ser que nunca mais desejasses sair daí. 
Talvez, de facto, nunca mais saisses de lá. Está lá tudo! 
"Estou muito bem aqui sozinho!". 
Mas, de repente - uma ninharia! O teu castelo é rodeado por muros,
 e é-te dito: 
'Tudo isto é teu! Desfruta-o! Apenas não podes sair daqui!".
 Então, acredita-me, nesse mesmo instante quererás deixar 
esse teu paraíso e pular por cima do muro. 
Mais! Todo esse luxo, toda essa plenitude, aumentará o teu 
sofrimento. Sentir-te-ás insultado como resultado de todo esse luxo... 
Sim, apenas uma coisa te falta... um pouco de liberdade. 

Fiodor Dostoievski,
 in "O Movimento de Liberação"


domingo, 10 de março de 2013

ÉRICO VERÍSSIMO



"Se me pedissem para sugerir um símbolo gráfico para a idéia
de Tempo, eu indicaria sem hesitação a imagem duma oliveira.
Por quê?
Talvez por causa de suas conotações bíblicas,
pelo aspecto sofrido de seus troncos e galhos e por tudo quanto
o óleo que o fruto dessa árvore produz tem a ver com a vida
e a morte: o óleo do batismo, o óleo da extrema-unção, enfim,
o óleo que mantém acesas as lâmpadas, não só a dos templos,
mas todas as lâmpadas do mundo que iluminam a noite dos homens."

 Erico Verissimo,
in Solo de Clarineta 

sexta-feira, 8 de março de 2013

PERDÃO



Aqui me tens, meu Deus, em confissão.
Não roubei. Não matei. Não caluniei.
Mas nem sempre segui a tua lei,
nem sempre fui a irmã do meu irmão.

Não recusei aos outros o meu pão.
Amor, algumas vezes, recusei.
Mas por tudo o que dei e o que não dei,
eu te peço, meu Deus, o meu perdão.

Perdão para os meus pecados
e para os meus pecados inocentes,
para o mal que já fiz e ainda fizer ...

Perdão para esta culpa original,
para este longo e complicado mal:
o crime sem perdão de ser mulher.


Fernanda de Castro


quarta-feira, 6 de março de 2013

HARUKI MURAKAMI



“E quando a tempestade tiver passado, 
mal te lembrarás de ter conseguido atravessá-la,
de ter conseguido sobreviver. 
Nem sequer terás a certeza de a tormenta 
ter realmente chegado ao fim. 
Mas uma coisa é certa: 
Quando saíres da tempestade 
já não serás a mesma pessoa. 
Só assim as tempestades fazem sentido.” 

Haruki Murakami



terça-feira, 5 de março de 2013

POEMINHA AMOROSO



Este é um poema de amor
tão meigo, tão terno, tão teu...
É uma oferenda aos teus momentos
de luta e de brisa e de céu...
E eu,
quero te servir a poesia
numa concha azul do mar ou numa cesta de flores do campo.
Talvez tu possas entender o meu amor.
Mas se isso não acontecer,
não importa.
Já está declarado e estampado
nas linhas e entrelinhas
deste pequeno poema,
o verso;
o tão famoso e inesperado verso que
te deixará pasmo, surpreso, perplexo...
eu te amo, perdoa-me, eu te amo..."

Cora Coralina

sexta-feira, 1 de março de 2013

IMPRESSIONISTA



Uma ocasião,
meu pai pintou a casa toda
de alaranjado brilhante.
Por muito tempo moramos numa casa,
como ele mesmo dizia,
constantemente amanhecendo.

- Adélia Prado,
 em "Bagagem"

ERICO VERÍSSIMO



“Desde criança fui possuído pelo demônio das viagens.
Essa encantada curiosidade de conhecer alheias terras
e povos visitou-me repetidamente a mocidade e a idade
madura. Mesmo agora, quando já diviso a brumosa casa 
dos setenta, um convite à viagem tem ainda o poder de 
incendiar-me a fantasia. Na minha opinião, existem 
duas categorias principais de viajantes: 
os que viajam para fugir e 
os que viajam para buscar. 
Considero-me membro deste último grupo.”

- Erico Verissimo,
in Solo de Clarineta.