quarta-feira, 31 de julho de 2013

EUGENIO MONTALE



"Há quem goste de
beber a vida gota a gota ou a jorros;
mas a garrafa é a mesma, não se pode
enchê-la quando se esvazia." 

Eugenio Montale

terça-feira, 30 de julho de 2013

TUDO O QUE FAZEMOS É MARCADO PELA FRAGILIDADE



 "Tudo o que fazemos é marcado pela fragilidade da nossa condição.
Somos esta coisa humana, 
provisória,
incerta,
inacabada, 
imperfeita.
Mas somos também poeira enamorada. 
Há em nós alguma coisa de maior.
Mesmo no erro. 
No erro podemos encontrar um caminho."

José Tolentino de Mendonça

segunda-feira, 29 de julho de 2013

PEDAÇOS DE MIM



Trago lembranças 
de coisas que não voltam: 
um sorriso, um abraço, um carinho 
- a cura que sorriu meu caminho. 

O pássaro que canta 
e meu cão que passa 
não são mais os mesmos 
- por onde andas ó meu esplendor? 
- o sino da capela, onde eu acertava as horas, 
já não me toca mais...!

Warllem Silva
In: Infinitude da Graça

domingo, 28 de julho de 2013

IRMÃO, IRMÃOS



Cada irmão é diferente.
Sozinho acoplado a outros sozinhos.
A linguagem sobe escadas, do mais moço,
ao mais velho e seu castelo de importância.
A linguagem desce escadas, do mais velho
ao mísero caçula.
São seis ou são seiscentas
distâncias que se cruzam, se dilatam
no gesto, no calar, no pensamento?
Que léguas de um a outro irmão.
Entretanto, o campo aberto,
os mesmos copos,
o mesmo vinhático das camas iguais.
A casa é a mesma. Igual,
vista por olhos diferentes?
São estranhos próximos, atentos
à área de domínio, indevassáveis.
Guardar o seu segredo, sua alma,
seus objectos de toalete. Ninguém ouse
indevida cópia de outra vida.
Ser irmão é ser o quê? Uma presença
a decifrar mais tarde, com saudade?
Com saudade de quê? De uma pueril
vontade de ser irmão futuro, antigo e sempre?

Carlos Drummond de Andrade,
in 'Boitempo'

sábado, 27 de julho de 2013

NUNO JÚDICE



"Inverno
a estação que ocupa
o centro do espírito.
Árvores ...que o outono despiu."

Nuno Júdice

sexta-feira, 26 de julho de 2013

A ARTE DE SER AVÓ



(...)
E então, um belo dia, sem que lhe fosse imposta nenhuma das agonias
da gestação ou do parto, o doutor lhe põe nos braços um menino.
Completamente grátis - nisso é que está a maravilha. Sem dores,
sem choro, aquela criancinha da sua raça, da qual você morria de
saudades, símbolo ou penhor da mocidade perdida.

Pois aquela criancinha, longe de ser um estranho, é um menino que
se lhe é "devolvido". E o espantoso é que todos lhe reconhecem o
seu direito sobre ele, ou pelo menos o seu direito de o amar com
extravagância; ao contrário, causaria escândalo ou decepção, se você
não o acolhesse imediatamente com todo aquele amor que há anos se
acumulava, desdenhado, no seu coração.

Sim, tenho a certeza de que a vida nos dá os netos para nos compensar
de todas as mutilações trazidas pela velhice. São amores novos,
profundos e felizes, que vêm ocupar aquele lugar vazio, nostálgico,
deixado pelos arroubos juvenis.

Rachel de Queiroz

quinta-feira, 25 de julho de 2013

HAICAI


 Nada me pertence -
só a paz interior
e a frescura do ar

Kobayashi Issa,
Verão

quarta-feira, 24 de julho de 2013

terça-feira, 23 de julho de 2013

CITAÇÃO


"Eu quero desaprender, para aprender de novo. 
Raspar as tintas com que me pintaram. 
Desencaixotar minhas emoções, 
recuperar meus sentidos." 

Rubem Alves


segunda-feira, 22 de julho de 2013

OS CAVALOS DA NOITE



Os cavalos da noite galopando
de crinas soltas contra a luz da lua
eram fantasmas breves dominando
os sonhos de um menino solitário.

Um menino sem forças contra a noite
sonhava os seus cavalos assustados
e se inventava cavaleiro andante
dono dos seus caminhos pela vida.

Campeava as distâncias descuidado
e armado pelo sono ia amansando
no coração da treva os seus temores.

E revivia a noite no mistério
dos árdegos cavalos renovando
o seu campo de sonho solitário.


H. Dobal

CITAÇÃO


"A amizade não se busca,
não se sonha, não se deseja; 
ela exerce-se: 
é uma virtude". 

Simone Weil


sábado, 20 de julho de 2013

MIA COUTO



“[…]Falamos em ler e pensamos apenas nos livros.
 Mas a ideia de leitura aplica-se a um vasto universo.
 Nós lemos emoção nos rostos,
 lemos os sinais climáticos nas nuvens,
 lemos o chão, 
 lemos o Mundo,
 lemos a Vida. 
 Tudo pode ser página.
 Depende apenas da intenção de descoberta do nosso olhar.”

Mia Couto

domingo, 14 de julho de 2013

CLARICE LISPECTOR



“…Entre duas notas de música existe uma nota,
entre dois fatos existe um fato,
entre dois grãos de areia
por mais juntos que estejam
existe um intervalo de espaço,
existe um sentir que é entre o sentir - nos
interstícios da matéria primordial
está a linha de mistério e fogo
que é a respiração do mundo,
e a respiração contínua do mundo
é aquilo que ouvimos e chamamos de silêncio.”

Clarice Lispector
in "Dá-me a Tua Mão"

RUMI



Comece a caminhar...
suas pernas vão pesar e cansar...
Até o momento de sentir
que as asas que você criou
estão se erguendo...

Rumi

SUPÉRFLUO



A chuva coloca no bico dos pássaros
um guizo d’água.

A tarde levanta da verde folhagem
uma espuma de aroma.

Uma vida, quase a teus pés, dirige-te
um terno pensamento.

Oh, as pequenas coisas supérfluas
extraviadas no mundo.

Quem ouve? quem vê? quem entende?

Cecília Meireles
In: Poesia Completa
Dispersos 

sábado, 13 de julho de 2013

EM PAZ



Perto do meu ocaso, eu te bendigo, ó Vida,
porque nunca me deste esperança falida
nem trabalhos injustos, nem pena imerecida.

Porque vejo no fim de meu rude caminho
que fui eu o arquiteto de meu próprio destino;
que se os méis ou o fel eu extraí das cousas
foi que nelas pus mel ou biles amargosas:
quando plantei roseiras, não colhi senão rosas.

Às minhas louçanias vai suceder o inverno;
mas tu não me disseste que maio fosse eterno!
Julguei sem fim as longas noites de minhas penas;
mas não me prometeste noites boas apenas,
e, afinal, tive algumas santamente serenas...

Amei e fui amado, o sol beijou-me a face.
Vida, nada me deves! Vida, estamos em paz!


Amado Nervo
Tradução de Anderson Braga Horta

sexta-feira, 12 de julho de 2013

ENTÃO ALGO MUDOU



Então algo mudou: o tom de voz, o olhar que se 
esquiva, a mão que se afasta. 
A porta precisa ser fechada, a ponte levantada, 
queimados os navios. Levaremos meses, anos esten- 
dendo as mãos para um vazio, interrogando uma 
ausência. 
Encarar a realidade é um modo de morrer. Mas sem 
isso, não haverá renascimento.

LYA LUFT
In Secreta Mirada

quinta-feira, 11 de julho de 2013

JARDINS DE MIM



"Quando descobri teu amor pelas borboletas, 
me tornei um jardim, 
plantei-me de flores, 
só para trazê-la para bem perto de mim. "

Warllem Silva 
In: Infinitude da Graça

quarta-feira, 10 de julho de 2013

ESPERA



Horas, horas sem fim,
pesadas, fundas,
esperarei por ti
até que todas as coisas sejam mudas.

Até que uma pedra irrompa
e floresça.
Até que um pássaro me saia da garganta
e no silêncio desapareça.


Eugénio de Andrade,
in As Mãos e os Frutos (1935)






SONHO



Um poema que ao lê-lo, nem sentirias que ele
já estivesse escrito, mas que fosse brotando, 
no mesmo instante, de teu próprio coração.
 
- Mario Quintana, 
in: Caderno H
 

terça-feira, 9 de julho de 2013

LIBERDADE


O poema é
liberdade

Um poema não se programa

Porém a disciplina
- Sílaba por sílaba -
O acompanha

Sílaba por sílaba
O poema emerge
- Como se os deuses o dessem
O fazemos


Sophia de Mello Breyner Andresen
In Poemas Escolhidos


segunda-feira, 8 de julho de 2013

AGORA AS AVES VOLTAM



Agora as aves voltam,
são nos ramos altos a matéria 
mais próxima dos anjos 
– ousarei eu tocar-lhes, 
fazer delas o poema? 

Eugénio de Andrade,
In O Peso da Sombra





domingo, 7 de julho de 2013

AS PALAVRAS




As palavras
As palavras são boas.
As palavras são más.
As palavras ofendem.
As palavras pedem desculpa.
As palavras queimam.
As palavras acariciam.
As palavras são dadas, trocadas,
oferecidas, vendidas e inventadas.
As palavras estão ausentes.
Algumas palavras sugam-nos, não nos largam:
são como carraças: vêm nos livros, nos jornais,
nos slogans publicitários, nas legendas dos filmes,
nas cartas e nos cartazes.
As palavras aconselham, sugerem, insinuam, ordenam,
impõem, segregam, eliminam. São melífluas ou azedas.
O mundo gira sobre palavras lubrificadas com óleo
de paciência. Os cérebros estão cheios de palavras
que vivem em boa paz com as suas contrárias e inimigas.
Por isso as pessoas fazem o contrário do que pensam,
julgando pensar o que fazem. Há muitas palavras. (...)
(...)

Daí que seja urgente moldar
as palavras para que a sementeira se mude em
seara. Daí que as palavras sejam instrumento
de morte - ou de salvação. Daí que a palavra só valha
o que valer o silêncio do ato.
Há também o silêncio. O silêncio, por definição,
é o que não se ouve. O silêncio escuta, examina,
observa, pesa e analisa. O silêncio é fecundo.
O silêncio é a terra negra e fértil, o húmus do ser,
a melodia calada sob a luz solar. Caem sobre ele
as palavras. Todas as palavras. As palavras boas e as
más. O trigo e o joio. Mas só o trigo dá pão."

José Saramago
in "As palavras"

sábado, 6 de julho de 2013

FABRICIO CARPINEJAR



"Os amigos são próprios de fases:
da rua, do Ensino Fundamental, do Ensino Médio,
da faculdade, do futebol, da poesia, do emprego,
da dança, dos cursos de inglês, da capoeira,
da academia, do blog. Significativos em cada etapa
de formação. Não estão em nossa frente diariamente,
mas estão em nossa personalidade, determinando,
de modo imperceptível, as nossas atitudes.

Fabrício Carpinejar


A CARÊNCIA




Não sei sobre pássaros,
não conheço a história do fogo.
Mas creio que minha solidão deveria ter asas.

Alejandra Pizarnik
In "De Las Aventuras Perdidas


sexta-feira, 5 de julho de 2013

CITAÇÃO



 " A literatura, porque se dirige ao coração, 
à inteligência, à imaginação e até aos sentidos,
toma o homem por todos os lados; toca por isso
em todos os interesses, todas as ideias, todos
os sentimentos; influi no indivíduo como na 
sociedade, na família como na praça pública;
dispõe os espíritos; determina certas correntes
de opinião; combate ou abre caminho a certas
tendências; e não é muito dizer que é ela quem
prepara o berço aonde se há-de receber esse
misterioso filho do tempo- o futuro. "

Antero de Quental,
in Prosas da Época de Coimbra

quarta-feira, 3 de julho de 2013

O MAR DOS MEUS OLHOS



Há mulheres que trazem o mar nos olhos 
Não pela cor 
Mas pela vastidão da alma 
E trazem a poesia nos dedos e nos sorrisos 
Ficam para além do tempo 
Como se a maré nunca as levasse 
Da praia onde foram felizes 
Há mulheres que trazem o mar nos olhos 
pela grandeza da imensidão da alma 
pelo infinito modo como abarcam as coisas e os Homens... 
Há mulheres que são maré em noites de tardes 
e calma.


Sophia de Mello Breyner Andresen,
in Obra Poética

terça-feira, 2 de julho de 2013

JOÃO GUIMARÃES ROSA



Fiz o caminho. 
Sem tomar direção, sem saber do caminho. 
Pé por pé, pé por si. 
Deixei que o caminho me escolha. 
Na travessia, só silêncio. 
O nenhuns-nada. 
O alegre, mesmo, era a gente viver
devagarinho, miudinho, não se 
importando demais com coisa nenhuma. 
Nessa estrada, salvou-me a palavra. 

João Guimarães Rosa