quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

O ÚLTMO POEMA



Assim eu quereria meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais

Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos

A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

- Manuel Bandeira,
in "Libertinagem e Estrela da Manhã".

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

PRISCILA RÔDE



"Eu não estou triste.
Só estou fazendo silêncios.
Só estou me recolhendo.
Só estou amanhecendo, por dentro."

Priscila Rôde

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

MOTIVO



EU CANTO porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gôzo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Si desmorono ou si edifico,
si permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei si fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.

Cecília Meireles
de Viagem

domingo, 24 de fevereiro de 2013

MÁSCARAS



ah! o imenso da possibilidade.

quantas rotas em tormentas?
quantas máscaras desejadas?

sucumbes à pressão dos momentos.

nada se transfigura nos espelhos,
e todos os dias és
mais do que a soma das tuas partes.

às vezes, os mares da realidade assim obrigam.

é nessas águas que também somos humanos.



Vicente Ferreira da Silva

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

SABEDORIA



Era uma vez uma pessoa que procurava a sabedoria.

Tinham-lhe dito que para a atingir tinha sempre
de aceitar e recusar ao mesmo tempo tudo o que 
lhe fosse oferecido, dito ou mostrado.
Quando perguntava por onde era o melhor caminho
e lhe diziam «é por ali» ela devia seguir
imediatamente nesse sentido e depois no sentido
contrário.

Tendo assim percorrido todas as
direcções indicadas e as não indicadas, 
sem mais caminhos a percorrer, sentou-se no chão 
e começou a chorar.

 Sem saber, tinha chegado. 

Ana Hatherly,
 in 'Tisanas'

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

CRUZ E SOUZA


"...
Nada há que me domine e que me vença
Quando a minha alma mudamente acorda...
Ela rebenta em flor, ela transborda
Nos alvoroços da emoção imensa."

- Cruz e Sousa

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Lya Luft



" A vida não está aí apenas para ser suportada
ou vivida, mas elaborada. 
Eventualmente reprogramada. 
Conscientemente executada. 
Não é preciso realizar nada de espetacular.
Mas que o mínimo seja o máximo que a gente 
conseguiu fazer consigo mesmo." 

Lya Luft,
in Perdas & Ganhos

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

SENSAÇÃO


Nas tardes azuis de verão, irei pelos vergéis,
Picado pelo trigo, a pisar a erva miúda:,
A sonhar, sentirei um frescor sob os pés,
E o vento há de banhar-me a cabeça desnuda.

Em silêncio, eu não pensarei em nada:
Mas o amor infinito montará minh'alma,
E irei longe, muito longe, com o pé na estrada,
Pela natureza, feliz – na companhia da amada. 

Arthur Rimbaud

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

MIA COUTO


“... 
nós temos olhos que se abrem para dentro,
esses que usamos para ver os sonhos...”

Mia Couto,
in Estórias abensonhadas

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

FABRÍCIO CARPINEJAR



A felicidade é provisória. 
É um clarão.
Um relance.
Um lampejo. 
Dura o suficiente para virar
uma lembrança.
Assim que some temos que 
sair atrás dela de novo.


Fabrício Carpinejar

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

EXALTAÇÃO


Venha!
Venha uma pura alegria
Que não tenha
Nem a senha
Nem o dia!

Abra-se a porta da vida
Sem se perguntar quem é!
E cada qual que decida
Se quer a alma aquecida
No lume da nova fé.

Venha!
Venha um sol que ninguém tenha
No seu coração gelado!
Venha
Uma fogueira de lenha
De todo o tempo passado!


Miguel Torga
in Libertação de "Poemas Completos

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

ALBERT CAMUS


O homem não é nada em si mesmo. 
Não passa de uma probabilidade infinita. 
Mas ele é o responsável infinito dessa probabilidade. 

Albert Camus


sábado, 9 de fevereiro de 2013

OSCAR WILDE


Por detrás da alegria e do riso, 
pode haver uma natureza vulgar, 
dura e insensível.
Mas, por detrás do sofrimento,
há sempre sofrimento.
Ao contrário do prazer, 
a dor não tem máscara.

Oscar Wilde

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

LUZ...


“Há uma luz
que vem de fora
e penetra a alma.
Há uma luz
que vem de dentro
e ilumina
o mundo.”

Leopoldo Scherner

HERBERTO HELDER


As palavras não fazem
o homem compreender,
é preciso fazer-se homem para entender
as palavras.

Herberto Helder

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

PASSEIO NO JARDIM



Quem aspira o perfume
deste longo jardim
de palavras cortadas
como se fossem caules
vê no chão espalhadas
as pétalas da rosa:
estilhaços de mim.

Nunca me completei
e sonho o que seria 
se a mim me reunisse
a mim mesmo somado
como um ramo de flores
ou a gota de orvalho
na manhã condenada.

Sempre me procurei 
dentro de mim perdido
em meus próprios domínios.
E no nunca me achar
é que me encontro e sou.
Só parto ao regressar.
Só venho quando vou.

Lêdo Ivo
In Crepúsculo Cívil

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

LYA LUFT



” O olho do outro está grudado em mim e me sinto 
permanentemente avaliado, nem sempre aprovado: 
se eu não for como sugerem ou exigem meu grupo,
família, sociedade, se não atender às propagandas,
aos modelos e ideais sugeridos, serei considerado 
diferente. Como adolescentes queremos ser iguais à 
turma, como adultos queremos ser aceitos pela tribo:
a pressão social é um fato inegável.

Não controlada, ela nos anulará”.


Lya Luft, 
in Múltipla Escolha 

domingo, 3 de fevereiro de 2013

O SILÊNCIO



Há um grande silêncio que está à escuta...

E a gente se põe a dizer inquietamente qualquer coisa,
qualquer coisa, seja o que for,
desde a corriqueira dúvida sobre se chove ou não chove hoje
até a tua dúvida metafísica, Hamleto!

E, por todo o sempre, enquanto a gente fala, fala, fala
o silêncio escuta...
e cala.


Mário Quintana
In: Esconderijos do Tempo


sábado, 2 de fevereiro de 2013

A ALMA



Às vezes eu sinto – minha alma
Bem viva.
Outras vezes porém ando erradio,
Perdido na bruma, atraído por todas as distâncias.

Às vezes entro na posse absoluta de mim mesmo
E a minha essência é alguma coisa de palpável
E de real.
Outras vezes porém ouço vozes chamando por mim,
Vozes vindas de longe, vozes distantes que o vento traz nas tardes mansas.

Sou o que fui ...
Sou o que serei ...

Às vezes me abandono inteiramente a saudades estranhas
E viajo por terras incríveis, incríveis.
Outras vezes porém qualquer coisa à-toa –
O uivo de um cão na noite morta,
O apito de um trem cortando o silêncio,
Uma paisagem matinal,
Uma canção qualquer surpreendida na rua – 
Qualquer coisa acorda em mim coisas perdidas no tempo
E há no meu ser uma unidade tão perfeita
Que perco a noção da hora presente, e então

Sou o que fui.
E sou o que serei.

Augusto Frederico Schmidt
in Poesias Completas