Eu vi uma rosa - Uma rosa branca - Sozinha no galho. No galho? Sozinha No jardim, na rua Sozinha no mundo. Em torno, no entanto, Ao sol de meio-dia, Toda a natureza Em formas e cores E sons esplendia. Tudo isso era excesso. A graça essencial, Mistério inefável - Sobrenatural - Da vida e do mundo, Estava ali na rosa Sozinha no galho. Sozinha no tempo. Tão pura e modesta, Tão perto do chão, Tão longe da glória Da mística altura, Dir-se-ia que ouvisse Do arcanjo invisível As palavras santas De outra Anunciação. Petrópolis, 1943 Manuel Bandeira,
Arte Igor Zenin O poente em pé como um Arcanjo tiranizou o caminho. A solidão povoada como um sonho remanseou-se ao redor do vilarejo. Os cincerros recolhem a tristeza dispersa dessa tarde. A lua nova é um fio de voz que vem do céu. Conforme vai anoitecendo volta a ser campo o vilarejo. O poente que não cicatriza ainda fere a tarde. As cores trêmulas se acolhem nas entranhas das coisas. No aposento vazio a noite fechará os espelhos. Jorge Luis Borges in Primeira Poesia
Meus pais estão no retrato sorridentes. O sorriso é claro e meigo. Entretanto, bem sei que atrás dessa luz há tanta dor concentrada! Uma dor que não se fez em dois dias, em um mês. Ai! dor de toda uma vida! É dor. Mas dor familiar, feita de coisas miúdas mais que de grandes desastres: de pedaços de esperança, de uma atenção infinita, da rotina de cuidados de amor diários —rotina iluminada!—, de restos de emoções desencontradas, de vagos desgostos, vagos presságios, sonhares vagos, das precisas incisões que rasga no rosto a cega, lenta lâmina do tempo. Vejo agora como a soma de tantas dores dispersas, como essa dor concentrada alimenta a luz sublime na sua face estampada. Vejo-o como nunca o vira no tempo deles. Agora, fora do tempo e do espaço, melhor que no espaço tempo, melhor do que nunca e sempre, as nossas luzes se encontram num doce carinho antigo. Alheios a tempo e espaço, meus pais descem do retrato e vêm conversar comigo. Anderson Braga Horta In Pulso (2000)