quinta-feira, 31 de outubro de 2013

AO SONO



Rebanho de ovelhas que lentamente passa
Uma de cada vez, o som da chuva e o farfalhar
Das folhas ao vento, abelhas, cascatas e o mar,
Prados, lenços d’água e o céu que esvoaça;
Sobre eles divaguei, um por um e ainda estou
Desperto! Logo os pássaros cantando
Nas árvores do pomar estarei escutando,
E o primeiro trinado do cuco que lá pousou.
Ontem e nas duas outras noites foi assim
Sono! Com todos os ardis não te pude receber:
Poupes-me nesta noite, vem a mim
Sem ti, que seria do encanto do alvorecer?
Vem, barreira entre o dia e a noite, enfim,
Pai do fresco pensar e do saudável viver!


William Wordsworth
in O olho Imóvel Pela Força da Harmonia

domingo, 27 de outubro de 2013

AQUELE FINO TRAÇO DE COLINA...




VII

Aquele fino traço de colina
Quero trancar na cancela
Da alma. Alimento e medida
Para as muitas vidas do depois.

Curva de um devaneio inatingido
Um todo estendido adolescente
Aquele fino traço da colina
Há de viver na paisagem da mente

Como a distância habita em certos pássaros
Como o poeta habita nas ardências.


Hilda Hilst
In Amavisse, 1989


sexta-feira, 25 de outubro de 2013

O CAMINHO



Vou me inspirar na teia dessa aranha
Para tecer também o meu caminho
Bailando no ar suspenso em desafio
Ao abismo de todos os quadrantes.

Horroriza-me a sina sertaneja
De quem encosta a enxada e se recolhe
À cisma de uma rede contemplando
A estrada deserta e o ar parado.

Mas, não! Rejeito teu modelo, aranha,
Não quero tua trama destinada
A caminhos que levam para nada.

E depois? Ó, depois, o coração,
Ave noturna, encontrará seu ninho
Na igualdade de todos os caminhos.

Miguel Reale

in 'Sonetos da verdade'

ECÚMENO




As humanas colmeias
ergueram-se no seio da pura distância.
E os caminhos multiplicaram-se.
E os homens fizeram-se irmãos dos ventos,
vagando no seio da pura distância.
E a melancolia profunda
e a paciência infinita
e os ritmos inesperados
nasceram do seio da pura distância.


Tasso da Silveira
Poemas de Antes – l.966 –

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

AMIGO



"Um amigo é uma pessoa com quem
nos atrevemos a sermos nós próprios."

Pam Brown




quarta-feira, 23 de outubro de 2013

LIÇÕES



Não aprendi a colher a flor
sem esfacelar as pétalas.
Falta-me o dedo menino
de quem costura desfiladeiros.
Criança, eu sabia
suspender o tempo,
soterrar abismos
e nomear as estrelas.
Cresci,
perdi pontes,
esqueci sortilégios.
Careço da habilidade da onda,
hei-de aprender a carícia da brisa.
Trémula, a haste
me pede
o adiar da noite.
Em véspera da dádiva,
a faca me recorda, no gume do beijo,
a aresta do adeus.
Não, não aprenderei
nunca a decepar flores.
Quem sabe, um dia,
eu, em mim, colha um jardim?

MIA COUTO
In Idades Cidades Divindades, 2007 

terça-feira, 22 de outubro de 2013

SANGUE



Versos
escrevem-se
depois de ter sofrido.
O coração
dita-os apressadamente.
E a mão tremente
quer fixar no papel os sons dispersos...

É só com sangue que se escrevem versos.

Saúl Dias
In ‘Sangue’ (1952)

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

VOZ ACTIVA



Canta, poeta, canta!
Violenta o silêncio
conformado
Cega com outra luz a luz
do dia
Desassossega o mundo
sossegado.
Ensina a cada alma a sua
rebeldia.

Miguel Torga,
in "Diário XIII






TRIBUNAL



Somos nós os culpados do que somos.
E é de mim que me queixo.
Tão intensa foi sempre a minha voz,
Que ninguém a entendeu.
Por isso, quanto mais água pedi,
Mais distante me vi
De cada fonte que me apeteceu.

E agora é tarde, já nem sede tenho.
Ou tenho-a como os cactos:
Eriçada de espinhos.
Olho de longe a bica tentadora,
Adivinho-lhe o gosto e a frescura,
E é de borco na areia abrasadora
Que refresco a secura.

Miguel Torga
in Obra Completa

COTIDIANO



Murchou a flor aberta ao sol do tempo.
Assim tinha de ser, neste renovo
Cotidiano,
Outro ano,
Outra flor,
Outro perfume.
O gume
Do cansaço
Vai ceifando,
E o braço
Doutro sonho
Semeando.

É essa a eternidade:
A permanente rendição da vida.
Outro ano,
Outra flor,
Outro perfume,
E o lume
De não sei que ilusão a arder no cume
De não sei que expressão nunca atingida”.

Miguel Torga,
in Orfeu Rebelde


SOTAQUE DA TERRA




Estas pedras
sonham ser casa

sei
porque falo
a língua do chão

nascida
na véspera de mim
minha voz
ficou cativa do mundo,
pegada nas areias do Índico

agora,
ouço em mim
o sotaque da terra

e choro
com as pedras
a demora de subirem ao sol


Mia Couto
in Raiz de Orvalho e Outros Poemas









domingo, 20 de outubro de 2013

SONETO DO AMIGO



Enfim, depois de tanto erro passado 
Tantas retaliações, tanto perigo 
Eis que ressurge noutro o velho amigo 
Nunca perdido, sempre reencontrado.

É bom sentá-lo novamente ao lado 
Com olhos que contêm o olhar antigo 
Sempre comigo um pouco atribulado 
E como sempre singular comigo.

Um bicho igual a mim, simples e humano 
Sabendo se mover e comover 
E a disfarçar com o meu próprio engano.

O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica...


Vinícius de Moraes,
In Poesia completa e prosa, 1998 
Poesias Coligidas













sexta-feira, 18 de outubro de 2013

CESARE PAVESE


A única alegria neste mundo é a de começar.
É belo viver, porque viver é começar, sempre,
a cada instante.
Quando esta sensação desaparece -
prisão, doença, hábito, estupidez 
- deseja-se morrer. "

Cesare Pavese
in O Ofício de Viver











quinta-feira, 17 de outubro de 2013

ESTREITO ESPAÇO PARA A ILUSÃO



Antes, em voo ousado, a imaginação
Subia até aos céus, plena de alento:
Hoje basta um estreito espaço para a ilusão
Se afundar nos abismos do tempo.
Logo o cuidado se aninha bem dentro
Do peito e traz secreto sofrimento;
Balança inquieto, estorva prazer e paz,
São sempre novas as máscaras que traz:
É casa e bens, mulher, os filhos que tiverdes,
Água, fogo, punhal, veneno, eu sei lá;
E tu tremes com medo do que nunca virá,
E choras sem cessar aquilo que não perdes.


Goethe,
in Fausto

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

DE REPENTE OS SINOS!



De repente os sinos!

Inesperadamente
No meio da noite
Sinos tocando!
De todas as direções
Estão chegando vozes de sinos!
Sinos do sul
Sinos da noite,
Sinos das cidades
Surgindo das brumas,
Molhados das chuvas.
Sinos roucos
Cobertos de neve.
Sinos abafados,
Vozes sufocadas.
Sinos quentes,
Sinos juvenis,
Sinos claros,
Trazendo nas vozes
Os tons dos lilases,
Sinos que parecem 
De tão delicados
Feitos para as rosas
Despertar do sono.
Sinos das montanhas,
Sinos da agonia,
Sinos das tormentas
Sinos das tragédias.
Pungentes tangentes
Sinos tão alegres,
Vibrando e cantando,
Sinos me acordando,

De repente, os sinos!

Augusto Frederico Schmidt





VAZIO



A poesia fugiu do mundo.
O amor fugiu do mundo —
Restam somente as casas,
Os bondes, os automóveis, as pessoas,
Os fios telegráficos estendidos,
No céu os anúncios luminosos.

A poesia fugiu do mundo.
O amor fugiu do mundo —
Restam somente os homens,
Pequeninos, apressados, egoístas e inúteis.
Resta a vida que é preciso viver.
Resta a volúpia que é preciso matar.
Resta a necessidade de poesia, 
que é preciso contentar.


Augusto Frederico Schmidt, 
in Pássaro cego (1930).

JOGO


 
Há os que buscam continentes,
eu fico,
é bem menos sólida
a terra de que me sustento.
(Ah, a densidade dos anjos,
os imprecisos firmamentos.)
 
Há os que apostam em veleiros
e desafiam os ventos,
eu passo.
 
Eu do mar vou abrindo os búzios
que a fúria cega às vezes consente.
 
Meu lance
é a configuração do silêncio.
 

Fernando Campanella
 











terça-feira, 15 de outubro de 2013

A FALA DE DEUS



Houve um tempo em que Deus falava hebraico.

Passou depois a falar latim
após um rápido estágio pelo grego.

Atualmente há quem afirme
que optou pelo inglês
embora em algumas tribos
xamãs se comuniquem com os seus
em incompreensíveis dialetos.

Isto apenas prova
que Deus é poliglota.
Se não 
por que inventaria a Torre de Babel?

Só não entendo por que alguns se apresentam
como seus tradutores e intérpretes
quando ele claramente fala
pela voz dos pássaros e das flores

ou quando pela boca das bactérias 
destrói (silencioso)
- nossa empáfia verbal.


Affonso Romano de Sant Anna
In Sísifo desce a montanha

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

LITANIA DAS HORAS MORTAS



Por estas horas de silêncio e solidão,
Eu gosto de ficar só com o meu coração.

É nestas horas de prazer quase divino 
Que eu me sinto feliz com o meu próprio destino.

Por estas horas é que a cisma me conduz
Por estradas de treva e caminhos de luz.

É nestas horas, quando em êxtase medito,
Que sinto em mim a nostalgia do infinito.

Por estas horas, quando a sombra estende os véus,
A fé me leva além dos mais remotos céus.

É nestas horas de tristeza e de saudade
Que desperta em meu ser a ânsia da Eternidade.

Por estas horas, minhas naus ousam partir
Para Istambul, para Golconda, para Ofir...

É nestas horas, Noite amiga, em teu regaço,
Que eu me difundo pelo Tempo e pelo Espaço.

Por estas horas eu somente aspiro ao Bem,
Que em vida se tornou minha Jerusalém.

É nestas horas, quando o espírito descansa,
Que me depões na fronte o teu beijo, Esperança!

Por estas horas é que eu sinto florescer,
Como os astros no céu, o jardim do meu ser,

É nestas horas de quietude que deponho,
Ó Noite! em teu altar, minha lâmpada — o Sonho.

Por estas horas é que eu gosto de sonhar, 
Para ter ilusões brancas como o luar.

É nestas horas de mistério e beatitude
Que a Glória me fascina e a Poesia me ilude.

Por estas horas de tranqüila e doce paz,
Quanta serenidade o espírito me traz!

É nestas horas, quando a treva se constela,
Que ouço o teu canto nas estrelas, Filomela!

Por estas horas, a minh'alma anseia por
Teu encanto, Ventura! e teu engano, Amor!

É nestas horas de tristeza e esquecimento
Que eu gosto de ficar só com o meu pensamento.

Por estas horas eu me julgo Parsifal
Para ir pela renúncia à conquista do Graal.

É nestas horas que, como um eco profundo,
Repercute no meu o coração do mundo.

Por estas horas transitórias e imortais
Se desvanecem minhas dúvidas fatais.

É nestas horas de harmonia indefinida
Que eu tento decifrar o teu enigma, Vida!

Por estas horas, meu instinto morre, com
A intenção de ser justo, o anseio de ser bom.

É nestas horas de fantástico transporte
Que eu busco interrogar a tua esfinge, Morte!

Por estas horas, eu me enlevo assim, porque
Vela no lodo humano a luz que tudo vê...

Por tuas horas silenciosas, benfazejas,
Deusa da Solidão, Noite! bendita sejas!


Da costa e Silva
Poesias Completas

sábado, 12 de outubro de 2013

CRIANÇA




Cabecinha boa de menino triste, 
de menino triste que sofre sozinho, 
que sozinho sofre, — e resiste, 

Cabecinha boa de menino ausente, 
que de sofrer tanto se fez pensativo, 
e não sabe mais o que sente... 

Cabecinha boa de menino mudo 
que não teve nada, que não pediu nada, 
pelo medo de perder tudo. 

Cabecinha boa de menino santo 
que do alto se inclina sobre a água do mundo 
para mirar seu desencanto. 

Para ver passar numa onda lenta e fria 
a estrela perdida da felicidade 
que soube que não possuiria. 

Cecília Meireles,
 in 'Viagem'

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

PENSAR É ENCHER-SE DE TRISTEZA




Pensar é encher-se de tristeza
e quando penso
não em ti
mas em tudo
sofro

Dantes eu vivia só
agora vivo rodeada de palavras
que eu cultivo
no meu jardim de penas

Eu sigo-as
e elas seguem-me:
são o exigente cortejo
que me persegue

Em toda a parte
ouço seu imenso clamor


Ana Hatherly, 
in "O pavão negro"

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

PRIMAVERA




Setembro entrou pela janela adentro,
com um puro frescor de primavera.
Inunda-se de luz toda a paisagem
e o meu canto transborda à tua espera.

A doçura da tarde é uma carícia.
Entreabrem-se flores docemente.
As nuvens estão nítidas e imóveis
no céu azul aberto à minha frente.

Há murmúrios e vozes pela rua.
Frescos risos distraem meus ouvidos
e ficam borbulhando como fonte
ou como choque de cristais partidos.

A ternura contida de meu peito
ameaça transbordar dentro da tarde.
como um rio fugindo de seu leito.

Minha pobre ternura ignorada,
minha heróica ternura impressentida,
teima em mostrar-se como a primavera,
pensa em tocar de leve a tua vida.

É difícil ser poeta e ser mulher.
É difícil cantar sem revelar.
Pode o poeta contar o seu segredo,
mas a mulher o seu deve guardar.

A ternura contida de meu peito
ameaça transbordar dentro da tarde,
como um rio fugindo de seu leito.

Fecharei a janela à primavera
e calarei o poeta nesta tarde,
para que o sonho em nada me perturbe,
nem meu canto transborde à tua espera.

Lila Ripoll
in Poemas e Canções.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

SIM, TU ÉS O PORVIR ...




Sim, tu és o porvir, a grande aurora,
que desponta das planícies da eternidade.
Tu és o canto do galo após a noite do tempo,
tu és orvalho, albas, menina,
tu és o viajante, a morte, a mãe ...

Tu és a forma que incessantemente muda,
que, solitária, emerge do destino,
que não se comemora nem lamenta,
pois ninguém te dirigiu, floresta selvagem.

Tu és o fundo essencial das coisas
que cala a última de sua essência
e que mostra aos outros sempre outro:
terra ao barco, e navio à costa.


Rainer Maria Rilke
in Antologia Poética

domingo, 6 de outubro de 2013

ENTÃO ALGO MUDOU



Então algo mudou: o tom de voz, o olhar que se 
esquiva, a mão que se afasta. 
A porta precisa ser fechada, a ponte levantada, 
queimados os navios. Levaremos meses, anos esten- 
dendo as mãos para um vazio, interrogando uma 
ausência. 
Encarar a realidade é um modo de morrer. Mas sem 
isso, não haverá renascimento.

 LYA LUFT
In Secreta Mirada, 1997


ESTOU SEMPRE NOS LIMIARES



Estou sempre nos limiares: 
sou sempre esta pausa antes 
do início de uma canção, 
sou um momento de espera, 
quase um fim de solidão. 

Sou margem de caminho para a morte, 
gesto que pressente atrás do véu: 
promessa de chuvas sob o céu, 
e vôo que antes de partir 
repousa...

 LYA LUFT
In Mulher no Palco, 1984


INFÂNCIA



"A infância é o chão sobre o qual caminharemos
 o resto dos nossos dias.
 Se for esburacado demais vamos tropeçar mais,
 cair com mais facilidade e quebrar a cara -
 o que pode até ser saudável, pois nos dará 
 chance de  reconstruirmos nosso rosto."
 
- Lya Luft, 
em “Perdas & Ganhos”







sábado, 5 de outubro de 2013

Michel de Montaigne



"Ninguém determina do princípio ao fim o caminho que pretende 
seguir na vida; só nos decidimos por trechos, na medida em 
que vamos avançando."


Michel de Montaigne, 
in "Da incoerência de nossas ações"

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

“LIBERTAÇÃO”



...Até que um dia, por astúcia ou acaso, depois
De quase todos os enganos, ele descobriu a por-
ta do labirinto.
...nada de ir tateando os muros como um cego.
Nada de muros.
Seus passos tinham – enfim! – a liberdade de
Traçar seus próprios labirintos.


Mario Quintana
In “A vaca e o hipogrifo”

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

CONVITE



Não sou a areia
onde se desenha um par de asas
ou grades diante de uma janela.
Não sou apenas a pedra que rola
nas marés do mundo,
em cada praia renascendo outra.
Sou a orelha encostada na concha
da vida, sou construção e desmoronamento,
servo e senhor, e sou
mistério

A quatro mãos escrevemos este roteiro
para o palco de meu tempo:
o meu destino e eu.
Nem sempre estamos afinados,
nem sempre nos levamos
a sério.


- Lya Luft,
 em "Perdas e Ganhos", 2003, pág. 12.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

DUALISMO



Não és bom, nem és mau: és triste e humano...
Vives ansiando, em maldições e preces,
Como se, a arder, no coração tivesses
O tumulto e o clamor de um largo oceano.

Pobre, no bem como no mal, padeces;
E, rolando num vórtice vesano,
Oscilas entre a crença e o desengano,
Entre esperanças e desinteresses.

Capaz de horrores e de ações sublimes,
Não ficas das virtudes satisfeito,
Nem te arrependes, infeliz, dos crimes:

E, no perpétuo ideal que te devora,
Residem juntamente no teu peito
Um demônio que ruge e um deus que chora. 


Olavo Bilac
In ‘Tarde’ (1919)

terça-feira, 1 de outubro de 2013

FLORIR É CHEGAR. VER A FLOR




Florir é chegar.Ver a flor
contemplá-la ao passar,
só dá para suspeitar
a circunstância menor
da empresa fulgurante,
intrincamente feita
da borboleta perfeita
ofertada à luz do dia.

Alimentar o botão,
pagar direito ao relento,
regular calor e vento,
esconder-se do zangão,
não falhar à natureza,
esperar por esse dia...
Ser flor é muita
responsabilidade!

Emily Dickinson
Tradução de Paulo Mendes Campos