Viver é uma peripécia. Um dever, um afazer, um prazer,
um susto, uma cambalhota. Entre o ânimo e o desânimo,
um entusiasmo ora doce, ora dinâmico e agressivo.
Viver não é cumprir nenhum destino, não é ser empurrado
ou rasteirado pela sorte. Ou pelo azar. Ou por Deus,
que também tem a sua vida. Viver é ter fome. Fome de
tudo. De aventura e de amor, de sucesso e de comemoração
de cada um dos dias que se podem partilhar com os outros.
Viver é não estar quieto, nem conformado, nem ficar
ansiosamente à espera.
Viver é romper, rasgar, repetir com criatividade.
A vida não é fácil, nem justa, e não dá para a comparar
a nossa com a de ninguém. De um dia para o outro ela muda,
muda-nos, faz-nos ver e sentir o que não víamos nem
sentíamos antes e, possivelmente, o que não veremos
nem sentiremos mais tarde.
Viver é observar, fixar, transformar. Experimentar mudanças.
E ensinar, acompanhar, aprendendo sempre.
A vida é uma sala de aula onde todos somos professores,
onde todos somos alunos.
Viver é sempre uma ocasião especial. Uma dádiva de nós
para nós mesmos. Os milagres que nos acontecem têm sempre
uma impressão digital. A vida é um espaço e um tempo
maravilhosos mas não se contenta com a contemplação.
Ela exige reflexão. E exige soluções.
A vida é exigente porque é generosa.
É dura porque é terna.
É amarga porque é doce.
É ela que nos coloca as perguntas, cabendo-nos a nós
encontrar as respostas. Mas nada disso é um jogo.
A vida é a mais séria das coisas divertidas.
Joaquim Pessoa,
in 'Ano Comum'
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