segunda-feira, 30 de abril de 2012

MÁGOAS


Quando nasci, num mês de tantas flores,
Todas murcharam, tristes, langorosas,
Tristes fanaram redolentes rosas,
Morreram todas, todas sem olores.

Mais tarde da existência nos verdores
Da infância nunca tive as venturosas
Alegrias que passam bonançosas,
Oh! Minha infância nunca teve flores!

Volvendo à quadra azul da mocidade,
Minh’alma levo aflita à Eternidade,
Quando a morte matar meus dissabores.

Cansado de chorar pelas estradas,
Exausto de pisar mágoas pisadas,
Hoje eu carrego a cruz das minhas dores!

Augusto dos Anjos

MACHADO DE ASSIS


"A saudade é isto mesmo;
é o passar e repassar de memórias antigas"


Machado de Assis
in Dom Casmurro


DÁ-ME TUA MÃO



Dá-me tua mão
E eu te levarei aos campos musicados pela
canção das colheitas.
Cheguemos antes que os pássaros nos disputem
os frutos,
Antes que os insetos se alimentem das folhas
entreabertas.

Dá-me tua mão
E eu te levarei a gozar a alegria do solo
agradecido,
Te darei por leito a terra amiga
E repousarei tua cabeça envelhecida
Na relva silenciosa dos campos.

Nada te perguntarei,
Apenas ouvirás o cantar das águas adolescentes
E as palavras do meu olhar sobre tua face muito
amada.


Adalgisa Nery
in As Fronteiras da Quarta Dimensão


NA ILHA


Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites,
manhãs e madrugadas em que não precisamos de morrer.

Então sabemos tudo do que foi e será.

O mundo aparece explicado definitivamente e entra
em nós uma grande serenidade, e dizem-se as
palavras que a significam.

Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas mãos.
Com doçura.

Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, a
vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o
sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do
mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos
ossos dela.

Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres
como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.

José Saramago

CONSTÂNCIA



O que os Outros dizem,

ou pensam [sobre nós],

não nos define!


Vicente Ferreira da Silva
in Pensamentos e Reflexões Poéticas


REFLEXÃO



Há certas almas
como as borboletas,
cuja fragilidade de asas
não resiste ao mais leve contato,
que deixam ficar pedaços
pelos dedos que as tocam.

Em seu vôo de ideal,
deslumbram olhos,
atraem as vistas:
perseguem-nas,
alcançam-nas,
detem-nas,
mas, quase sempre,
por saciedade
ou piedade,
libertam-nas outra vez.

Elas, porém, não voam como dantes,
ficam vazias de si mesmas,
cheias de desalento...

Almas e borboletas,
não fosse a tentação das cousas rasas;
- o amor de néctar,
- o néctar do amor,
e pairaríamos nos cimos
seduzindo do alto,
admirando de longe!...


Gilka Machado,
in Sublimação

domingo, 29 de abril de 2012

CREPÚSCULO


Quando o sol avermelhado
d’água imerge na planura,
e precede a noite obscura
o crepúsculo avermelhado
paira um clarão desmaiado
lutando co’a sombra escura
que desce da curvatura
do firmamento azulado.

Assim, dentro de mim, da Crença
resta um clarão quase frio,
que inda combate a Descrença,

e, nas ânsias d’esta luta,
- qual crepúsculo sombrio,
hoje a Dúvida me enluta ...


Medeiros e Albuquerque
in Canções de Decadência
e outros Poemas

ÁRVORE



cego
de ser raiz

imóvel
de me ascender caule

múltiplo
de ser folha

aprendo
a ser árvore
enquanto
iludo a morte
na folha tombada do tempo

Mia Couto,
in Raiz de Orvalho e Outros Poemas

OFÍCIO



Naturezas de borboleta
forjam casulos em silêncio.
Em segredo, universos tramam
O absoluto florescimento.

Tanta beleza em surdina
que já não se conta o tempo.

O ferreiro tece o concreto
em diurno alheamento.

Também meu escopo de arte
por estas vias se encorpa.
Tanta mobilidade, tantas formas
me saíram do bolso
assim como do nada

no mais desprovido silêncio.

Fernando Campanella

ROSAS



Rosas que já fostes, desfolhadas
Por mãos também que já se foram; rosas
Suaves e tristes! Rosas que as amadas
Mortas também, beijaram suspirosas...
Umas rubras e vãs, outras fanadas,
Mas cheias do calor das amorosas...
Sois aroma de alfombra silenciosas
Onde dormiram tranças destrançadas
Umas brancas, da cor das pobres freiras,
Outras cheias de viço e de frescura,
Rosas primeiras, rosas derradeiras!
Ai! quem melhor que vós, se a dor perdura,
Para coroar-me, rosas passageiras,
O sonho que se esvai na desventura?

Alphonsus de Guimaraens


sábado, 28 de abril de 2012

DESENCANTO




Eu faço versos como quem chora
De desalento...de desencanto...
Fecha meu livro se por agora
Não tens motivo algum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa...remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota à gota, do coração
.
E nesses versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre
Deixando um acre sabor na boca.

Eu faço versos como quem morre.

Manuel Bandeira

In: "A cinza das horas"

sexta-feira, 27 de abril de 2012

FABRÍCIO CARPINEJAR




Chega um momento
em que somos aves na noite,
pura plumagem, dormindo de pé,
com a cabeça encolhida.
O que tanto zelamos
na fileira dos dias,
o que tanto brigamos
para guardar, de repente
não presta mais: jornais, retratos,
poemas, posteridade.
Minha bagagem
é a roupa do corpo.

Fabrício Carpinejar
In ‘Cinco Marias

TASSO DA SILVEIRA



Os seres amados são sombras que se apagam,
são sombras de um jardim, no entardecer.

Nós tínhamos no olhar o encantamento
dos lúcidos recortes,
dos arabescos harmoniosos
desenhados no chão.

Mas um por um diluiram-se os desenhos
numa sombra maior ...

Os seres amados são sombras,
são sombras de um jardim, no entardecer ...


Tasso da Silveira
in Poemas

quinta-feira, 26 de abril de 2012

ERNEST HEMINGWAY



"De todos os presentes da natureza
para a raça humana, o que é mais
doce para o homem do que as crianças?"

Ernest Hemingway







MANOEL DE BARROS


...
Senhor, ajudai-nos a construir a nossa casa
Com janelas de aurora e árvores no quintal -
Árvores que na primavera fiquem cobertas de flores
E ao crepúsculo fiquem cinzentas como a roupa dos
pescadores...

Manoel de Barros

EM ALGUMA VIDA FUI AVE



Guardo memória
de paisagens espraiadas
e de escarpas em voo rasante.

E sinto em meus pés
o consolo de um pouso soberano
na mais alta copa da floresta.

Liga-me à terra
uma nuvem e seu desleixo de brancura.

Vivo a golpes
com coração de asa
e tombo como um relâmpago
faminto de terra."

Mia Couto

ROSAS


Rosas

As rosas
(brancas)
as claras rosas
calam-se
e floresce o silêncio.

Orides Fontela
In Trevo

RAMO EM FLOR



Para cá e para lá
sempre se inclina ao vento o ramo em flor,
para cima e para baixo
sempre meu coração vai feito uma criança
entre claros e nebulosos dias,
entre ambições e renúncias.
Até que as flores se espalham
e o ramo se enche de frutos,
até que o coração farto de infância
alcança a paz
e confessa: de muito agrado e não perdida
foi a inquieta jogada da vida.

Hermann Hesse,
in Andares



TODAS AS ÁGUAS



Quando pensei que estava tudo cumprido,
havia outra surpresa: mais uma curva
do rio, mais riso e mais pranto.

Quando calculei que tudo estava pago,
anunciaram-se novas dívidas e juros,
o amor e o desafio.

Quando achei que estava serena,
os caminhos se espalmaram
como dedos de espanto

em cortinas aflitas. E eu espio,
ainda que o olhar seja grande
e a fresta pequena.

Lya Luft

CONJECTURA



 "Não tinhas
nome. Existias
como um eco
do silêncio. Eras
talvez
uma pergunta
do vento".

Albano Martins

quarta-feira, 25 de abril de 2012

ANOITECER





Homem, cantava eu como um pássaro
ao amanhecer. Em plena unanimidade
de um mundo só.
Como, porém, viver num mundo onde todas as coisas
tivessem um só nome?

Então, inventei as palavras.
E as palavras pousaram gorjeando sobre o rosto
dos objetos.

A realidade, assim, ficou com tantos rostos
quantas são as palavras.

E quando eu queria exprimir a tristeza e a alegria
as palavras pousavam em mim, obedientes
ao meu menor aceno lírico.

Agora devo ficar mudo.
Só sou sincero quando estou em silêncio.
Pois, só quando estou em silêncio

elas pousam em mim - as palavras -
como um bando de pássaros numa árvore
ao anoitecer.


Cassiano Ricardo

VAZIO



Há certos dias
Que sinto em min’alma
Um vazio infinito,
Um vazio sem sentido,
Um vazio indefinível,
Vazio dos ventos e procelas,
Vazio que vem de longe
Cuja origem desconheço,
Maior,
Muito maior que a solidão...

Há certos momentos
Que sinto dentro de mim
Um vazio talvez originário das vagas,
Dos grandes mares
E que às vezes me inunda,
Quase me faz soçobrar...

Há certas horas
Que sinto dentro de mim
Um vazio que se agiganta,
Diante do qual me sinto pequenino
E comparo este vazio tão grande
Ao vazio da hora do adeus...

Mas existe,sim,
Um vazio,
Muito maior do que todos os vazios,
E que se alojam no âmago dos corações,
O vazio imenso da saudade!...



Olympiades Guimarães Corrêa
Em Neblina do Tempo

terça-feira, 24 de abril de 2012

AVE



"Seu rosto tinha um lado de ave. 
Por isso ele podia conhecer todos os pássaros 
do mundo pelo coração de seus cantos." 

Manoel de Barros,
in Aprendimentos 

QUINCAS BORBA - CAPÍTULO XLV




Enquanto uma chora, outra ri; é a lei do mundo,
meu rico senhor; é a perfeição universal.
Tudo chorando seria monótono, tudo rindo cansativo;
mas uma boa distribuição de lágrimas e polcas,
soluços e sarabandas, acaba por trazer à alma
do mundo a variedade necessária,
e faz-se o equilíbrio da vida...

Machado de Assis,
in Quincas Borba














MILAN KUNDERA




"Não há forma nenhuma de se verificar qual das decisões é melhor
porque não há comparação possível. Tudo se vive imediatamente
pela primeira vez, sem preparação como se um actor entrasse em
cena sem nunca ter ensaiado. Mas o que vale a vida se o primeiro
ensaio da vida é já a própria vida?"

Milan Kundera, in
A Insustentável Leveza do Ser 

MILAN KUNDERA




"...Não existe nada mais pesado que compaixão.
Mesmo a nossa própria dor não é tão pesada
como a dor co-sentida com outro, pelo outro, 
no lugar do outro, multiplicada pela imaginação, 
prolongada em centenas de ecos." 

Milan Kundera, in
"A insustentável leveza do ser"

CLAREIRA





Dentro do coração
desenho

uma clareira
varrida de luz:
aí desdobro os mapas,
arrumo as
bússolas
e todos os instrumentos
para velejar no ar.

Iço as
palavras
"amor", "orvalho", "vento"
e recolho as âncoras.

Meu corpo,
livre de toda a gravidade,
já pode voar.

Roseana Murray




CARLOS DRUMOND DE ANDRADE




"Quando nos calamos, nem sempre quer dizer
que concordamos com o que ouvimos ou lemos,
mas estamos dando a outro a chance de pensar,
refletir, saber o que falou ou escreveu!"

Carlos Drummond de Andrade

ORIENTE




"Manda-me verbena ou benjoim no próximo crescente
e um retalho roxo de seda alucinante
e mãos de prata ainda (se puderes)
e se puderes mais, manda violetas
(margaridas talvez, caso quiseres)

manda-me osíris no próximo crescente
e um olho escancarado de loucura
(em pentagrama, asas transparentes)

manda-me tudo pelo vento:
envolto em nuvens, selado com estrelas
tingido de arco-íris, molhado de infinito
(lacrado de oriente, se encontrares)"

Caio Fernando Abreu
(in: Caio 3D: O Essencial da Década de 1970)

POEMA SONHADO




Se não for pela poesia, como crer na eternidade?
Os ossos da noite doem nos mortos.
A chuva molha cidades que não existem.
O silêncio punge em cada ser acordado pelos cães invisíveis
do assombro.
Os ossos da noite doem nos vivos.
A escuridão lateja como um seio.
E uma voz (de onde vem?) repete incessante, incessantemente:
Se não for pela poesia, como crer na eternidade.

Alphonsus de Guimaraens Filho







AMOSTRA SEM VALOR




Eu sei que o meu desespero não interessa a ninguém. 
Cada um tem o seu, pessoal e intransmissível: 
com ele se entretém 
e se julga intangível.

Eu sei que a Humanidade é mais gente do que eu,
sei que o Mundo é maior do que o bairro onde habito,
que o respirar de um só, mesmo que seja o meu,
não pesa num total que tende para infinito.

Eu sei que as dimensões impiedosos da Vida
ignoram todo o homem, dissolvem-no, e, contudo,
nesta insignificância, gratuita e desvalida,
Universo sou eu, com nebulosas e tudo.

António Gedeão

segunda-feira, 23 de abril de 2012

HINO AO SOL




Sol!
Divina
Oficina
Da luz! Crisol
Claro, onde se apura
O ouro ideal que fulgura
No céu, de brilho imortal!
Sol! Alquimista universal;
Químico eterno que, em áureo vaso,
Combina pela aurora e pelo ocaso
Cores e vapores pelos céus de anil;
Ourives da ilusão, da vida e da beleza,
De jóias adornando a virgem – natureza;
Gênio da arte excelsa que com o teu buril
Crias a perfeição em toda parte;
Mestre supremo dos deuses da arte,
Guia e protege o artista êxul
Que, ante o ouro fosco do Azul,
Uma só glória aspira:
Fundir sua lira,
Pelo arrebol,
Ao teu hino,
Divino
Sol!

Da Costa e Silva
in Poesias Completas



O IMPOSSÍVEL CARINHO




Escuta, eu não quero contar-te o meu desejo
Quero apenas contar-te a minha ternura
Ah se em troca de tanta felicidade que me dás
Eu te pudesse repor
- Eu soubesse repor -
No coração despedaçado
As mais puras alegrias de sua infância!

Manuel Bandeira
In:"Melhores poemas"

O MURO


Resiste o velho paredão em ruínas,
já não é coisa, é uma lembrança
persistente e negra,
que a hera aperta em seu manto de esperança.


Mas se a planta tivesse coração,
e se abraçasse só por amizade,
largaria os tijolos . . . de piedade
abriria os seus ramos pelo chão.


Miguel Reale


GAIVOTAS


Bando de gaivotas
Cortam o infinito dos céus,
No seu vôo elas definem
O sentido maravilhoso e exato
Do que seja liberdade.
No seu vôo tranquilo
Parece às vezes
Que estamos diante
De uma orquestra magistral,
Onde são entoados salmos,
Salmos louvando a paz,
Canto sem silêncio
Em prol da libertação...
E o homem veste as roupagens da gaivota,
Tenta alçar o vôo,
Mas não consegue alcançar os céus
Nem a paz tão desejada,
As asas se partem
E ele cai por terra...

Olympiades Guimarães Corrêa
- In Eterna procura


domingo, 22 de abril de 2012

SOU O QUE SEREI





Às vezes me abandono inteiramente a saudades
estranhas
E viajo por terras incríveis, incríveis.
Outras vezes porém qualquer coisa à-toa –
O uivo de um cão na noite morta,
O apito de um trem cortando o silêncio,
Uma paisagem matinal,
Uma canção qualquer surpreendida na rua –
Qualquer coisa acorda em mim coisas perdidas no tempo
E há no meu ser uma unidade tão perfeita
Que perco a noção da hora presente, e então

Sou o que fui.
E sou o que serei.


Augusto Frederico Schmidt


SERENA


Essa ternura grave
que me ensina a sofrer
em silêncio, na suavi-
dade do entardecer,
menos que pluma de ave
pesa sobre meu ser.

E só assim, na levi-
tação da hora alta e fria,
porque a noite me leve,
sorvo, pura, a alegria,
que outrora, por mais breve,
de emoção me feria.

Henriqueta Lisboa
In Azul Profundo

EPÍSTOLA PARA DÉDADLO




Porque deste a teu filho asas de plumagem e cera
se o sol todo-poderoso no alto as desfaria?
Não me ouviu, de tão longe, porém pensei que disse:
todos os filhos são Ícaros que vão morrer no mar.
Depois regressam, pródigos, ao amor entre o sangue
dos que eram e dos que são agora, filhos dos filhos.

Fiama Hasse Pais Brandão,

in Epístolas e Memorandos

COMPANHEIROS


quero
escrever-me de homens
quero
calçar-me de terra
quero ser
a estrada marinha
que prossegue depois do último caminho
e quando ficar sem mim
não terei escrito
senão por vós
irmãos de um sonho
por vós
que não sereis derrotados
deixo
a paciência dos rios
a idade dos livros
mas não lego
mapa nem bússola
porque andei sempre
sobre meus pés
e doeu-me
às vezes
viver
hei de inventar
um verso que vos faça justiça
por ora
basta-me o arco-íris
em que vos sonho
basta-te saber que morreis demasiado
por viverdes de menos
mas que permaneceis sem preço
companheiros


Mia Couto