Meus pais estão no retrato
sorridentes. O sorriso
é claro e meigo. Entretanto,
bem sei que atrás dessa luz
há tanta dor concentrada!
Uma dor que não se fez
em dois dias, em um mês.
Ai! dor de toda uma vida!
É dor. Mas dor familiar,
feita de coisas miúdas
mais que de grandes desastres:
de pedaços de esperança,
de uma atenção infinita,
da rotina de cuidados
de amor diários —rotina
iluminada!—, de restos
de emoções desencontradas,
de vagos desgostos, vagos
presságios, sonhares vagos,
das precisas incisões
que rasga no rosto a cega,
lenta lâmina do tempo.
Vejo agora como a soma
de tantas dores dispersas,
como essa dor concentrada
alimenta a luz sublime
na sua face estampada.
Vejo-o como nunca o vira
no tempo deles. Agora,
fora do tempo e do espaço,
melhor que no espaço tempo,
melhor do que nunca e sempre,
as nossas luzes se encontram
num doce carinho antigo.
Alheios a tempo e espaço,
meus pais descem do retrato
e vêm conversar comigo.
Anderson Braga Horta
In Pulso (2000)
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