terça-feira, 9 de maio de 2017

A VIDA TEM CRUELDADES




A vida tem crueldades, mas também delicadezas que se 
estendem além da paixão - que, sendo relâmpago e trovão,
nem sempre traz a desejada permanência. Em qualquer 
relacionamento: amizade, família, trabalho, amor,
somos realidades em choques. O aprendizado não é fácil.
Aqui e ali, tiramos notas baixas, alguma vez somos
reprovados num teste importante. Aceitar essa reprovação
pode levar todo o tempo de uma longa vida. Queremos
o milagre, mais do que o milagre, queremos sempre a 
salvação. Mesmo quando o chão começa a afundar, 
e o tapete deslizou sob nossos pés aflitos,
teimamos em pensar que ainda há remédio:
um pobre band-aid serviu.
Ou um passe de mágica que nos tornasse
menos expostos, menos humanos.

LYA LUFT
In Secreta Mirada, 1997


terça-feira, 18 de abril de 2017

EU VI UMA ROSA





Eu vi uma rosa
- Uma rosa branca -
Sozinha no galho.
No galho? Sozinha
No jardim, na rua

Sozinha no mundo.

Em torno, no entanto,
Ao sol de meio-dia,
Toda a natureza
Em formas e cores
E sons esplendia.

Tudo isso era excesso.

A graça essencial,
Mistério inefável
- Sobrenatural -
Da vida e do mundo,
Estava ali na rosa
Sozinha no galho.

Sozinha no tempo.

Tão pura e modesta, 
Tão perto do chão,
Tão longe da glória
Da mística altura,
Dir-se-ia que ouvisse
Do arcanjo invisível
As palavras santas
De outra Anunciação.

Petrópolis, 1943
Manuel Bandeira,

segunda-feira, 17 de abril de 2017

CAMPOS ENTARDECIDOS


 Arte Igor Zenin

O poente em pé como um Arcanjo
tiranizou o caminho.
A solidão povoada como um sonho
remanseou-se ao redor do vilarejo.
Os cincerros recolhem a tristeza
dispersa dessa tarde. A lua nova
é um fio de voz que vem do céu.
Conforme vai anoitecendo
volta a ser campo o vilarejo.

O poente que não cicatriza
ainda fere a tarde.
As cores trêmulas se acolhem
nas entranhas das coisas.
No aposento vazio
a noite fechará os espelhos.

Jorge Luis Borges 
in Primeira Poesia


quinta-feira, 6 de abril de 2017

RETRATO INDIMENSIONAL





Meus pais estão no retrato
sorridentes. O sorriso
é claro e meigo. Entretanto,
bem sei que atrás dessa luz
há tanta dor concentrada!
Uma dor que não se fez
em dois dias, em um mês.
Ai! dor de toda uma vida!

É dor. Mas dor familiar,
feita de coisas miúdas
mais que de grandes desastres:
de pedaços de esperança,
de uma atenção infinita,
da rotina de cuidados
de amor diários —rotina
iluminada!—, de restos
de emoções desencontradas,
de vagos desgostos, vagos
presságios, sonhares vagos,
das precisas incisões
que rasga no rosto a cega,
lenta lâmina do tempo.

Vejo agora como a soma
de tantas dores dispersas,
como essa dor concentrada
alimenta a luz sublime
na sua face estampada.
Vejo-o como nunca o vira
no tempo deles. Agora,
fora do tempo e do espaço,
melhor que no espaço tempo,
melhor do que nunca e sempre,
as nossas luzes se encontram
num doce carinho antigo.

Alheios a tempo e espaço,
meus pais descem do retrato
e vêm conversar comigo.

Anderson Braga Horta
In Pulso (2000)

terça-feira, 21 de março de 2017

AGRADOS & PERDIDOS I


Arte Igor Zenin

Ele, abriu as mãos
então juntas
como em quase prece.
Mostrou-lhe Tudo
que a deslumbrava!

Ela, viu esmeraldas, rubis,
antúrios azuis, orquídeas,
nuvens grávidas de avencas.

Até oceanos e rios,
refletindo a Lua,
pensou ter visto.

Foi quando ouviu
sua voz forte, solar
crua e nua ecoar.

Querida, aqui estão
os mais caros;
precisos presentes:

Todas as coisas Eternas!
Cuidado,
nem todas são Ternas.


Jairo De Britto, 
em "Aquarela da Madrugada"

quarta-feira, 1 de março de 2017

MARÇO



Que etéreo veneno entorpecente
De sonhos infinitos e tranqüilos
Trazes contigo, límpido março azul
Das transparentes distâncias!

Helena Kolody
In ‘Infinita Luz’


quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

A MÁSCARA




Eu sei que há muito pranto na existência, 
Dores que ferem corações de pedra, 
E onde a vida borbulha e o sangue medra, 
Aí existe a mágoa em sua essência. 

No delírio, porém, da febre ardente 
Da ventura fugaz e transitória 
O peito rompe a capa tormentória 
Para sorrindo palpitar contente. 

Assim a turba inconsciente passa, 
Muitos que esgotam do prazer a taça 
Sentem no peito a dor indefinida. 

E entre a mágoa que masc'ra eterna apouca 
A humanidade ri-se e ri-se louca 
No carnaval intérmino da vida.

Augusto dos Anjos

CARNAVAL DO INFINITO





A tarde era de inverno...
Contudo passava, triunfalmente,
lá na avenida roxa de crepúsculo,
o áureo carro alegórico do Sol!
Nuvens vestidas em negros dominós
caminhavam como bêbedos, sonhando...
Rufava, ao longe, o tambor forte dos trovões,
sacudindo o coração da natureza.
Tremebrilhavam pelos paços do Infinito
as lâmpadas inquietas dos relâmpagos...
As serpentinas policrômicas do arco-íris
enroscavam-se aos corpos trêmulos das nuvens.

Daí a pouco,
como de imensos palácios invisíveis,
começou a cair,
em gotas claras de cristal diluído,
o cloretil finíssimo da chuva...
enquanto, além, surgia lentamente
o pierrô sonâmbulo da noite
que trazia, nas suas mãos de veludo,
- para o carnaval do espaço -
o confete dourado das estrelas...

Filgueiras Lima
in Festa de Ritmos

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

MÁSCARAS



Arte Dorina Costras

No perpétuo carnaval
deste mundo desvairado,
usam disfarces
fingem-se outros.

Adivinha quem é quem,
no baile de máscaras.

Helena Kolody
in Correnteza


terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

CORAÇÃO



Lembrança, quanta lembrança
Dos tempos que já lá vão!
Minha vida de criança,
Minha bolha de sabão!

Infância, que sorte cega,
Que ventania cruel,
Que enxurrada te carrega,
Meu barquinho de papel?

Como vais, como te apartas,
E que sozinho que estou!
Ó meu castelo de cartas,
Quem foi que te derrubou?

Tudo muda, tudo passa
Neste mundo de ilusão;
Vai para o céu a fumaça,
Fica na terra o carvão.

Mas sempre, sem que te iludas,
Cantando num mesmo tom,
Só tu, coração, não mudas,
Porque és puro e porque és bom!


Guilherme de Almeida,
 In Toda Poesia

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

AH! QUEREM UMA LUZ




Ah! querem uma luz melhor que a do Sol!
Querem prados mais verdes do que estes!
Querem flores mais belas do que estas que vejo!
A mim este Sol, estes prados, estas flores contentam-me.

Mas, se acaso me descontentam,
O que quero é um sol mais sol que o Sol,
O que quero é prados mais prados que estes prados,
O que quero é flores mais estas flores que estas flores —
Tudo mais ideal do que é do mesmo modo e da mesma maneira!

Alberto Caeiro
in Poemas Inconjuntos




domingo, 22 de janeiro de 2017

SONETO A QUATRO MÃOS




Tudo de amor que existe em mim foi dado. 
Tudo que fala em mim de amor foi dito. 
Do nada em mim o amor fez o infinito 
Que por muito tornou-me escravizado.

Tão pródigo de amor fiquei coitado 
Tão fácil para amar fiquei proscrito. 
Cada voto que fiz ergueu-se em grito 
Contra o meu próprio dar demasiado.

Tenho dado de amor mais que coubesse 
Nesse meu pobre coração humano 
Desse eterno amor meu antes não desse.

Pois se por tanto dar me fiz engano 
Melhor fora que desse e recebesse 
Para viver da vida o amor sem dano.


Vinícius de Moraes
e Paulo Mendes Campos




sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

DOR




"Há de ser uma estrada de amarguras 
a tua vida. E andá-la-ás sozinho, 
vendo sempre fugir o que procuras 
disse-me um dia um pálido adivinho. 

"No entanto, sempre hás de cantar venturas 
que jamais encontraste... O teu caminho, 
dirás que é cheio de alegrias puras, 
de horas boas, de beijos, de carinho..." 

E assim tem sido... Escondo os meus lamentos: 
É meu destino suportar sorrindo 
as desventuras e os padecimentos. 

E no mundo hei de andar, neste desgosto, 
a mentir ao meu íntimo, cobrindo 
os sinais destas lágrimas no rosto! 


Humberto de Campos
In ‘Poesias Completas’ (1933)

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

MARIA



Maria, há tanta Maria
cantando na minha vida.
Maria cheia de graça,
Maria cheia de vida.

Andei mundo, rodei terra,
cruzei os mares que havia
e, em cada canto da terra,
o amor eu tive, Maria.

Na vida que Deus me deu,
deu-me tudo o que eu queria:
deu-me esperança e me deu
o amor que eu sempre amaria.

Eis por que sempre há Maria
mariando na minha vida.
Maria cheia de graça,
Maria cheia de vida. 

Gilberto Mendonça Teles

CHÁ DAS CINCO




para Jorge Amado 

Chá de poejo para o teu desejo 
chá de alfavaca já que a carne é fraca 
chá de poaia e rabo de saia 
chá de erva-cidreira se ela for solteira 
chá de beldroega se ela foge ou nega 
chá de panela para as coisas dela 
chá de alecrim se ela for ruim 
chá de losna se ela late ou rosna 
chá de abacate se ela rosna ou late 
chá de sabugueiro para ser ligeiro 
chá funcho quando houver caruncho 
chá de trepadeira para a noite inteira 
chá de boldo se ela pedir soldo 
chá de confrei se ela for de lei 
chá de macela se não for donzela 
chá de alho para um ato falho 
chá de bico quando houve fuxico 
chá de sumiço quando houver enguiço 
chá de estrada se ela for casada 
chá de marmelo quando houver duelo 
chá de douradinha se ela for gordinha 
chá de fedegoso pra mijar gostoso 
chá de cadeira para a vez primeira 
chá de jalapa quando for no tapa 
chá de catuaba quando não se acaba 
chá de jurema se exigir poema 
chá de hortelã e até amanhã 
chá de erva-doce e acabou-se 

(pelo sim pelo não 
chá de barbatimão) 


Gilberto Mendonça Teles

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

SAUDADES





Dominando a planície, a fronde aberta
Ao Sol, beijada pela ventania,
De áureas flores e pássaros coberta,
Farfalhando, aquela árvore se erguia.

Quando o Sol, pelo azul, a chama experta,
Como um jade crisântemo - se abria,
Cantava logo um rumor d'asa, e, alerta,
Logo o bando de pássaros a enchia.

Era toda rumor. Suaves, bailando
Em torno, havia, namoradas dela,
Borboletas intrépidas, em bando.

E, do chão, como fúlgidas centelhas,
Insetos de ouro vinham ver aquela
Doce amiga de pássaros e abelhas.


Humberto de Campos
In ‘Poesias Completas’ (1933)



CONDOR




VI

Foste um sonho no azul. Viste rolar de perto
A áurea roda do Sol. No etéreo sorvedouro
Do infinito, escutaste os temporais em coro,
O barulho do céu de mil nuvens coberto.

Asas ao vento, a bater no firmamento aberto,
Quanta vez, negro e só, viste, espantado, o louro
Bando de astros faiscar no intérmino Deserto
Como constelações de borboletas de ouro!

E subiste... A Amplidão te acalentou nos braços
Largos. Alto, a rolar, embalde o Sol faiscantes,
Crespas ondas de luz golfejou nos espaços.

E caíste, afinal, palpitante e convulso.
E hoje, guardas no olhar as mil nuvens distantes,
- Astro frio e sem luz, dentre os astros expulso!... 

Humberto de Campos
In ‘Poesias Completas’ (1933)





terça-feira, 17 de janeiro de 2017

EXCERTO LITERÁRIO




“E quando à tua frente se abrirem muitas
 estradas e não souberes a que hás-de escolher,
 não te metas por uma ao acaso, senta-te e espera.
 Respira com a mesma profundidade confiante com
 que respiraste no dia em que vieste ao mundo,
 e sem deixares que nada te distraia, 
 espera e volta a esperar. 
 Fica quieta, em silêncio e ouve o teu coração.
 Quando ele te falar, 
 levanta-te e vai para onde ele te levar."



Susana Tomaro,
in "Vai aonde te leva o Coração"