quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

REGRESSO




Sem mais nem menos
surgiu o passado,
corpo intranquilo
feito de sons semelhantes
aos rostos que amei,
universo donde me excluí,
mar desprovido de cais
na obliquidade dos contrastes.

Esta noite voltei à minha infância:
menina rosada de sonhos nos bolsos,
bailarina de corda na caixinha de som.

À infância regressa-se solitariamente,
subindo um rio sem margens,
até ao lugar em que a nascente
se confunde com o tempo
e o tempo se transforma em espanto.

Procuro, teimosamente,
o rasto da brisa
que me invade o corpo
e apenas sei que o sonho
é um risco inquietante,
quando a solidão tem rosto
e se conhece a posição das estrelas
no âmago das palavras.

Graça Pires
De Poemas, 1990



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