domingo, 29 de março de 2015

UMA ANIVERSARIANTE ILUSTRE




Pode existir
a mais bonita rua
na melhor cidade do mundo

Pode existir
a mais formosa esquina
na melhor cidade do mundo

Pode existir 
o mais funcional espaço
na melhor cidade do mundo

Pode existir
o mais límpido verde
na melhor cidade do mundo

Pode existir
o mais ilustre habitante
na melhor cidade do mundo

Pode existir 
o mais notável céu
na melhor cidade do mundo

Mas 
nenhuma rua 
tem a mesma poesia

nenhuma esquina
tem o mesmo fascínio

nenhuma praça
tem a mesma sedução

nenhum espaço
tem o mesmo encanto

nenhum verde 
tem o mesmo tom

nenhum habitante
tem a mesma simpatia

nenhum céu
tem o mesmo deslumbramento

Que a rua
a esquina
a praça
o espaço
o verde
o habitante
e o céu

de uma das melhores cidades
do mundo

Parabéns, Curitiba!

Delores Pires
(Por ocasião das festividades dos 290 anos da cidade

terça-feira, 24 de março de 2015

ANGÚSTIA





O sol se foi embora e a lagoa esquecida
se voltou para dentro de si mesma.


Colombo de Sousa
In: Estágio 1964


segunda-feira, 23 de março de 2015

A CANÇÃO


Arte by Igor Zenin


Enquanto os teus olhos ainda estão cerrados sobre os
mistérios noturnos da alma
E o dia ainda não abriu as suas pálpebras,
Nasce a canção dentro de ti como um rumor de águas,
Nasce a canção como um vento despertando as folhagens...
Não vem de súbito, vem de longe e de muito tempo.
Mas - agora - estás desperto na cidade e não sabes,
Entre tantos rumores e motores,
Como é que tens de súbito esta serenidade
De quem recebesse uma hóstia em pleno inferno.
Deve ser de versos que leste e nem te lembras,
De telas, de estátuas que viste,
De um sorriso esquecido...
E destas sementes de beleza
E que
- às vezes -
No chão do rumoroso deserto em que pisas,
Brota o milagre da canção!

Mario Quintana 
- A Cor do Invisível


LILI





Teu riso de vidro
desce as escadas às cambalhotas 
e nem se quebra, 
Lili, 
meu fantasminha predileto! 
Não que tenhas morrido... 
Quem entra num poema não morre nunca
(e tu entraste em muitos...) 
Muita gente até me pergunta quem és... De tão querida
és talvez a minha irmã mais velha
nos tempos em que eu nem havia nascido. 
És Gabriela, a Liane, a Angelina... sei lá! 
És Bruna em pequenina
que eu desejaria acabar de criar.
Talvez sejas apenas a minha infância! 
E que importa, enfim, se não existes... 
Tu vives tanto, Lili! E obrigado, menina, 
pelos nossos encontros, por esse carinho
de filha que eu não tive...


Mario Quintana,
in Lili Inventa o Mundo

A IMAGEM PERDIDA



Como essas coisas que não valem nada
e parecem guardadas sem motivo
(alguma folha seca... uma taça quebrada...)
eu só tenho um valor estimativo.

Nos olhos que me querem é que eu vivo
esta existência efêmera e encantada...
Um dia hão de extinguir-se e, então, mais nada
refletirá meu vulto vago e esquivo...

E cerraram-se os olhos das amadas,
o meu nome fugiu de seus lábios vermelhos,
nunca mais, de um amigo, o caloroso abraço...

E, no entretanto, em meio desta longa viagem,
muitas vezes, parei... e, nos espelhos,
procuro em vão minha perdida imagem!

Mario Quintana,
in PREPARATIVOS DE VIAGEM





COISAS DO TEMPO




Com o tempo, não vamos ficando sozinhos apenas
pelos que se foram: vamos ficando sozinhos
uns dos outros.

Mario Quintana ,
in Caderno H







DESESPERO


 

Não há nada mais triste do que o grito
de um trem no silêncio noturno.
É a queixa de um estranho animal perdido,
único sobrevivente de alguma espécie extinta,
e que corre, corre, desesperado, noite em
fora, como para escapar à sua orfandade e
solidão de monstro.

Mario Quintana,
in Prosa e Verso




UMA ALEGRIA PARA SEMPRE



(para Helena Quintana)

As coisas que não conseguem ser olvidadas
continuam acontecendo.
Sentimo-las como da primeira vez,
sentimo-las fora do tempo,
nesse mundo de sempre
onde as datas não datam.
Só no mundo do nunca existem lápides…
Que importa se – depois de tudo – tenha “ela” partido
casado, mudado, sumido, esquecido, enganado,
ou que quer que te haja feito, em suma?
Tiveste uma parte da sua vida que foi só tua e, esta,
ela jamais a poderá passar de ti para ninguém.
Há bens inalienáveis, há certos momentos que,
ao contrário do que pensas,
fazem parte de tua vida presente
e não do teu passado.
E abrem-se no teu sorriso mesmo quando, deslembrado deles,
estiveres sorrindo a outras coisas.
Ah, nem queiras saber o quanto deves à ingrata criatura…
A thing of beauty is a joy for ever
– disse, há cento e muitos anos,
um poeta inglês que não conseguiu morrer.


Mario Quintana,
in 80 anos de poesia


O SILÊNCIO





Há um grande silêncio que está à escuta...
E a gente se põe a dizer inquietamente qualquer coisa,
qualquer coisa, seja o que for,
desde a corriqueira dúvida sobre se chove ou não chove hoje
até a tua dúvida metafísica, Hamleto!
E, por todo o sempre, enquanto a gente fala, fala, fala
o silêncio escuta... 
e cala.

Mário Quintana
In: Esconderijos do Tempo




TROVA




Quem as suas mágoas canta,
Quando acaso as canta bem
Não canta só suas mágoas,
Canta a dos outros também....

Mario Quintana,
in A cor do Invisível




DO SABOR DAS COISAS




Por mais raro que seja,
Ou mais antigo,
Só um vinho é deveras excelente:
Aquele que tu bebes calmamente
Com o teu mais velho 
E silencioso amigo...

Mário Quintana
In: Espelho Mágico

SONETO V




Na minha rua há um menininho doente.
Enquanto os outros partem para a escola,
Junto à janela, sonhadoramente, 
Ele ouve o sapateiro bater sola.

Ouve também o carpinteiro, em frente, 
Que uma canção napolitana engrola.
E pouco a pouco, gradativamente,
O sofrimento que ele tem se evola. . .

Mas nesta rua há um operário triste: 
Não canta nada na manhã sonora
E o menino nem sonha que ele existe.

Ele trabalha silenciosamente. . . 
E está compondo este soneto agora,
Pra alminha boa do menino doente. . .

Mario quintana,
in A Rua dos Cataventos



MELANCOLIA




Maneira romântica de ficar triste.

Mario Quintana;
in Da preguiça como método de trabalho



POESIA




Às vezes tudo se ilumina de uma intensa irrealidade,
e é como se agora este pobre, este único, 
este efêmero minuto do mundo estivesse pintado
numa tela, sempre...

Mario Quintana ,
in Porta Giratória





JARDIM INTERIOR



Todos os jardins deviam ser fechados,
com altos muros de um cinza muito pálido,
onde uma fonte
pudesse cantar
sozinha
entre o vermelho dos cravos.
O que mata um jardim não é mesmo
alguma ausência
nem o abandono...
O que mata um jardim é esse olhar vazio
de quem por eles passa indiferente.

Mário Quintana,
in A Cor do Invisível, 1989



"MEU BONDE PASSA PELO MERCADO




O que há de bom mesmo não está à venda, 
O que há de bom não custa nada. 
Este momento é a flor da eternidade! 
Minha alegria aguda até o grito... 
Não essa alegria alvar das novelas baratas, 
Pois minha alegria inclui também minha tristeza 
- a nossa 
Tristeza... 
Meu companheiro de viagem, sabes? 
Todos os bondes vão para o Infinito!"


Mario Quintana 
- Preparativos de Viagem 1987


TÃO SIMPLES





A verdadeira coragem consiste, apenas,
em não nos importarmos com a opinião dos outros...
Mas como custa!

Mario Quintana 
Da preguiça como método de trabalho

domingo, 22 de março de 2015

DO MEU OUTONO




O outono vai chegar... Neva a névoa do outono...
Perdem-se astros sem luz... Anda em choro a folhagem...
Há desesperos silenciosos de abandono...


O outono vai chegar... Neva a névoa do outono...
E eu sofro a angustia irremediável da paisagem...


O outono vai chegar... O outono vem tão cedo!
Irão morrer flores e estrelas, como as crianças
Tristes e mudas, que impressionam, fazem medo?


O outono vai chegar... Têm vozes do passado
As horas loiras, a cantarem vagarosas,
Com ressonâncias de convento abandonado...


Vozes de sonho, vozes lentas, do passado,
Falando coisas nebulosas, nebulosas...


O outono vai chegar, como um poeta descrente
Que funerais desilusórios acompanha...


O outono vai chegar... Neva a névoa do outono...
Perdem-se astros sem luz... Anda em choro a folhagem...
Há desesperos silenciosos de abandono...


O outono vai chegar... Neva a nevoa do outono...
E eu sofro a angustia irremediável da paisagem... 



Cecília Meireles
In: Baladas para El-Rei (1925)







RUA



Procuro a rua
que ainda me resta:
é longa, é alta,
não é essa.
Esqueço o nome,
por sono ou pressa:
é alta, é clara,
mas não é esta.
Em cada esquina
havia festa:
é clara, é vasta,
não é essa.
Nunca me lembro
onde começa:
é vasta, é longa,
mas não é esta.
Rua que não
se manifesta:
é longa, é alta,
não é essa.

Cecília Meireles,
in Poesia Completa
Sonhos


EXCERTO





(...) “Minha infância de menina sozinha deu-me duas 
coisas que parecem negativas, e foram sempre positivas
para mim: silêncio e solidão. Essa foi sempre a área
de minha vida. Área mágica, onde os caleidoscópios
inventaram fabulosos mundos geométricos, onde os 
relógios revelaram o segredo do seu mecanismo,
e as bonecas o jogo do seu olhar. (...)

Cecília Meireles
in Obra Poética, Rio de Janeiro, Nova Aguillar





POEMA DO BECO




Que importa a paisagem, a Glória,
 a baía, a linha do horizonte? 
— O que eu vejo é o beco. 


 MANUEL BANDEIRA 
In Estrela da Manhã, 1936

AS GARÇAS



As garças
quando alçam
se entardecem.

Manoel de Barros,
in Poesia Completa


terça-feira, 17 de março de 2015

III


 

O sonho é a ponte
Que vai do infinito ao infinito,
É a medida sem comparação,
É a presença do que se imagina.

Sonhar talvez só seja
Reconhecer o que já nem a alma sinta
Nem o próprio pensamento veja.

Ana Hatherly
In Um Ritmo Perdido




sexta-feira, 13 de março de 2015

15


Foto by Jussara M. Saade Teixeira



Toda uma eternidade se escoou
antes que estas rosas abrissem.
E toda uma eternidade se escoará
depois que elas fenecerem de todo.
Mas no seu fugitivo instante
de milagre e esplendor

elas são um lampejo
de beleza infinita



Tasso da Silveira,
in Canções à Curitiba


terça-feira, 10 de março de 2015

APOTEOSE



No horizonte profundo
mãos invisíveis suspenderam
a cortina sem fim das trevas mortas...

e cem lâmpadas claras se acenderam!

...e a luz radiosa entrou pelas cem
portas do Palácio do Mundo...


Tasso da Silveira,
in Canções à Curitiba
& outros poemas

domingo, 8 de março de 2015

AS MULHERES SÃO MAIS FORTES




 Para começar, gosto das mulheres. Acho que elas são mais fortes,
 mais sensíveis e que têm mais bom senso que os homens.
 Nem todas as mulheres do mundo são assim, mas digamos que é mais
 fácil encontrar qualidades humanas nelas do que no género
 masculino. Todos os poderes políticos, económicos, militares
 são assunto de homens. Durante séculos, a mulher teve de pedir
 autorização ao seu marido ou ao seu pai para fazer fosse o que
 fosse. Como é que pudemos viver assim tanto tempo condenando 
 metade da humanidade à subordinação e à humilhação?

José Saramago, in 'L'Orient le Jour (2007)'

terça-feira, 3 de março de 2015

SONETO A QUATRO MÃOS




Tudo de amor que existe em mim foi dado. 
Tudo que fala em mim de amor foi dito. 
Do nada em mim o amor fez o infinito 
Que por muito tornou-me escravizado.

Tão pródigo de amor fiquei coitado 
Tão fácil para amar fiquei proscrito. 
Cada voto que fiz ergueu-se em grito 
Contra o meu próprio dar demasiado.

Tenho dado de amor mais que coubesse 
Nesse meu pobre coração humano 
Desse eterno amor meu antes não desse.

Pois se por tanto dar me fiz engano 
Melhor fora que desse e recebesse 
Para viver da vida o amor sem dano.

Vinícius de Moraes e Paulo Mendes Campos,
in Poesia completa e Prosa