quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

A MÁSCARA




Eu sei que há muito pranto na existência, 
Dores que ferem corações de pedra, 
E onde a vida borbulha e o sangue medra, 
Aí existe a mágoa em sua essência. 

No delírio, porém, da febre ardente 
Da ventura fugaz e transitória 
O peito rompe a capa tormentória 
Para sorrindo palpitar contente. 

Assim a turba inconsciente passa, 
Muitos que esgotam do prazer a taça 
Sentem no peito a dor indefinida. 

E entre a mágoa que masc'ra eterna apouca 
A humanidade ri-se e ri-se louca 
No carnaval intérmino da vida.

Augusto dos Anjos

CARNAVAL DO INFINITO





A tarde era de inverno...
Contudo passava, triunfalmente,
lá na avenida roxa de crepúsculo,
o áureo carro alegórico do Sol!
Nuvens vestidas em negros dominós
caminhavam como bêbedos, sonhando...
Rufava, ao longe, o tambor forte dos trovões,
sacudindo o coração da natureza.
Tremebrilhavam pelos paços do Infinito
as lâmpadas inquietas dos relâmpagos...
As serpentinas policrômicas do arco-íris
enroscavam-se aos corpos trêmulos das nuvens.

Daí a pouco,
como de imensos palácios invisíveis,
começou a cair,
em gotas claras de cristal diluído,
o cloretil finíssimo da chuva...
enquanto, além, surgia lentamente
o pierrô sonâmbulo da noite
que trazia, nas suas mãos de veludo,
- para o carnaval do espaço -
o confete dourado das estrelas...

Filgueiras Lima
in Festa de Ritmos

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

MÁSCARAS



Arte Dorina Costras

No perpétuo carnaval
deste mundo desvairado,
usam disfarces
fingem-se outros.

Adivinha quem é quem,
no baile de máscaras.

Helena Kolody
in Correnteza


terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

CORAÇÃO



Lembrança, quanta lembrança
Dos tempos que já lá vão!
Minha vida de criança,
Minha bolha de sabão!

Infância, que sorte cega,
Que ventania cruel,
Que enxurrada te carrega,
Meu barquinho de papel?

Como vais, como te apartas,
E que sozinho que estou!
Ó meu castelo de cartas,
Quem foi que te derrubou?

Tudo muda, tudo passa
Neste mundo de ilusão;
Vai para o céu a fumaça,
Fica na terra o carvão.

Mas sempre, sem que te iludas,
Cantando num mesmo tom,
Só tu, coração, não mudas,
Porque és puro e porque és bom!


Guilherme de Almeida,
 In Toda Poesia

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

AH! QUEREM UMA LUZ




Ah! querem uma luz melhor que a do Sol!
Querem prados mais verdes do que estes!
Querem flores mais belas do que estas que vejo!
A mim este Sol, estes prados, estas flores contentam-me.

Mas, se acaso me descontentam,
O que quero é um sol mais sol que o Sol,
O que quero é prados mais prados que estes prados,
O que quero é flores mais estas flores que estas flores —
Tudo mais ideal do que é do mesmo modo e da mesma maneira!

Alberto Caeiro
in Poemas Inconjuntos