domingo, 22 de janeiro de 2017
SONETO A QUATRO MÃOS
Tudo de amor que existe em mim foi dado.
Tudo que fala em mim de amor foi dito.
Do nada em mim o amor fez o infinito
Que por muito tornou-me escravizado.
Tão pródigo de amor fiquei coitado
Tão fácil para amar fiquei proscrito.
Cada voto que fiz ergueu-se em grito
Contra o meu próprio dar demasiado.
Tenho dado de amor mais que coubesse
Nesse meu pobre coração humano
Desse eterno amor meu antes não desse.
Pois se por tanto dar me fiz engano
Melhor fora que desse e recebesse
Para viver da vida o amor sem dano.
Vinícius de Moraes
e Paulo Mendes Campos
sexta-feira, 20 de janeiro de 2017
DOR
"Há de ser uma estrada de amarguras
a tua vida. E andá-la-ás sozinho,
vendo sempre fugir o que procuras
disse-me um dia um pálido adivinho.
"No entanto, sempre hás de cantar venturas
que jamais encontraste... O teu caminho,
dirás que é cheio de alegrias puras,
de horas boas, de beijos, de carinho..."
E assim tem sido... Escondo os meus lamentos:
É meu destino suportar sorrindo
as desventuras e os padecimentos.
E no mundo hei de andar, neste desgosto,
a mentir ao meu íntimo, cobrindo
os sinais destas lágrimas no rosto!
Humberto de Campos
In ‘Poesias Completas’ (1933)
quinta-feira, 19 de janeiro de 2017
MARIA
Maria, há tanta Maria
cantando na minha vida.
Maria cheia de graça,
Maria cheia de vida.
Andei mundo, rodei terra,
cruzei os mares que havia
e, em cada canto da terra,
o amor eu tive, Maria.
Na vida que Deus me deu,
deu-me tudo o que eu queria:
deu-me esperança e me deu
o amor que eu sempre amaria.
Eis por que sempre há Maria
mariando na minha vida.
Maria cheia de graça,
Maria cheia de vida.
Gilberto Mendonça Teles
CHÁ DAS CINCO
para Jorge Amado
Chá de poejo para o teu desejo
chá de alfavaca já que a carne é fraca
chá de poaia e rabo de saia
chá de erva-cidreira se ela for solteira
chá de beldroega se ela foge ou nega
chá de panela para as coisas dela
chá de alecrim se ela for ruim
chá de losna se ela late ou rosna
chá de abacate se ela rosna ou late
chá de sabugueiro para ser ligeiro
chá funcho quando houver caruncho
chá de trepadeira para a noite inteira
chá de boldo se ela pedir soldo
chá de confrei se ela for de lei
chá de macela se não for donzela
chá de alho para um ato falho
chá de bico quando houve fuxico
chá de sumiço quando houver enguiço
chá de estrada se ela for casada
chá de marmelo quando houver duelo
chá de douradinha se ela for gordinha
chá de fedegoso pra mijar gostoso
chá de cadeira para a vez primeira
chá de jalapa quando for no tapa
chá de catuaba quando não se acaba
chá de jurema se exigir poema
chá de hortelã e até amanhã
chá de erva-doce e acabou-se
(pelo sim pelo não
chá de barbatimão)
Gilberto Mendonça Teles
quarta-feira, 18 de janeiro de 2017
SAUDADES
Dominando a planície, a fronde aberta
Ao Sol, beijada pela ventania,
De áureas flores e pássaros coberta,
Farfalhando, aquela árvore se erguia.
Quando o Sol, pelo azul, a chama experta,
Como um jade crisântemo - se abria,
Cantava logo um rumor d'asa, e, alerta,
Logo o bando de pássaros a enchia.
Era toda rumor. Suaves, bailando
Em torno, havia, namoradas dela,
Borboletas intrépidas, em bando.
E, do chão, como fúlgidas centelhas,
Insetos de ouro vinham ver aquela
Doce amiga de pássaros e abelhas.
Humberto de Campos
In ‘Poesias Completas’ (1933)
CONDOR
VI
Foste um sonho no azul. Viste rolar de perto
A áurea roda do Sol. No etéreo sorvedouro
Do infinito, escutaste os temporais em coro,
O barulho do céu de mil nuvens coberto.
Asas ao vento, a bater no firmamento aberto,
Quanta vez, negro e só, viste, espantado, o louro
Bando de astros faiscar no intérmino Deserto
Como constelações de borboletas de ouro!
E subiste... A Amplidão te acalentou nos braços
Largos. Alto, a rolar, embalde o Sol faiscantes,
Crespas ondas de luz golfejou nos espaços.
E caíste, afinal, palpitante e convulso.
E hoje, guardas no olhar as mil nuvens distantes,
- Astro frio e sem luz, dentre os astros expulso!...
Humberto de Campos
In ‘Poesias Completas’ (1933)
terça-feira, 17 de janeiro de 2017
EXCERTO LITERÁRIO
“E quando à tua frente se abrirem muitas
estradas e não souberes a que hás-de escolher,
não te metas por uma ao acaso, senta-te e espera.
Respira com a mesma profundidade confiante com
que respiraste no dia em que vieste ao mundo,
e sem deixares que nada te distraia,
espera e volta a esperar.
Fica quieta, em silêncio e ouve o teu coração.
Quando ele te falar,
levanta-te e vai para onde ele te levar."
Susana Tomaro,
in "Vai aonde te leva o Coração"
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