sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Às vezes, não há nenhum aviso...




“Às vezes, não há nenhum aviso.
As coisas acontecem em segundos.
Tudo muda.
Você está vivo.
Você está morto.
E as coisas continuam. 
Somos finos como papel. 
Existimos por acaso entre as 
percentagens, temporariamente.
E esta é a melhor e a pior parte,
o fator temporal.
E não há nada que se possa fazer
sobre isso. Você pode sentar no 
topo de uma montanha e meditar
por décadas e nada vai mudar.
Você pode mudar a si mesmo 
para ser aceitável mas talvez 
isso também esteja errado.
Talvez pensemos demais.
Sinta mais, pense menos.”

Charles Bukowski 
in , " O capitão saiu para o almoço
e os marinheiros tomaram conta do navio "

FERNANDO PESSOA




" Nascemos sem saber falar e morremos 
sem ter sabido dizer .
Passa-se nossa vida entre o silêncio de quem
está calado e o silêncio de quem não foi
entendido , e em torno disto , como uma abelha
em torno de onde não há flores , paira incógnito
um inútil destino ."

Fernando Pessoa , 
in " No jardim de Epícteto "





HORA LILÁS...




Hora lilás, da cor desta saudade
Que não me deixa mais o coração,
Hora em que a alma toda se me invade
Só de tristeza e de desolação ...

Hora em que eu lembro a minha pouca idade
E a minha tão cruel desilusão ...
Tudo se esvai na bruma da saudade,
Essa tão doce e triste cerração ...

Hora lias, da cor que me entristece,
Desta saudade que jamais esquece
Meu coração cansado de sofrer;

Hora em que eu vivo a vida já vivida,
Hora lilás, da cor da minha vida,
Pois é saudade só o meu viver.

Anrique Paço D’Arcos
in Poesias Completas











sábado, 13 de agosto de 2016

A CASA


Arte Margarita Sikorskaia



Sei dos filhos
pelo modo como ocupam a casa:
uns buscam os recantos,
outros existem à janela.

A uns satisfaz uma sombra,
a outros nem o mundo basta.
Uns batem com a porta,
outros hesitam como se não houvesse saída.

Raras vezes sou pai.
Sou sempre todos os meus filhos,
sou a mão indecisa no fecho,
sou a noite passada entre relógio e escuro.

Em mim ecoa a voz
que, à entrada, se anuncia: cheguei!
E eu sorrio, de resposta: chegou?
Mas se nunca ninguém partiu…

E tanto em mim
demoram as esperas
que me fui trocando por soalho
e me converti em sonolenta janela.

Agora, eu mesmo sou a casa,
casa infatigável casa
a que meus filhos
eternamente regressam. 

- Mia Couto, 
em “Tradutor de chuvas”