domingo, 26 de janeiro de 2014

A FORMA JUSTA




Sei que seria possível construir o mundo justo
As cidades poderiam ser claras e lavadas
Pelo canto dos espaços e das fontes
O céu o mar e a terra estão prontos
A saciar a nossa fome do terrestre
A terra onde estamos — se ninguém atraiçoasse — proporia
Cada dia a cada um a liberdade e o reino
— Na concha na flor no homem e no fruto
Se nada adoecer a própria forma é justa
E no todo se integra como palavra em verso
Sei que seria possível construir a forma justa
De uma cidade humana que fosse
Fiel à perfeição do universo

Por isso recomeço sem cessar a partir da página em branco
E este é meu ofício de poeta para a reconstrução do mundo


Sophia de Mello Breyner Andresen
in O Nome das Coisas

JORGE AMADO


O Tempo é um ser difícil. Quando queremos que ele se prolongue,
seja demorado e lento, ele foge às pressas, nem se sente o
correr das horas. Quando queremos que ele voe mais depressa que
o pensamento, porque sofremos, porque vivemos um tempo mau,
ele escoa moroso, longo é o desfilar das horas.


Jorge Amado,
in O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá


COISAS , PEQUENAS COISAS




Fazer das coisas fracas um poema.

Uma árvore está quieta,
murcha, desprezada.
Mas se o poeta a levanta pelos cabelos
e lhe sopra os dedos,
ela volta a empertigar-se, renovada.
E tu, que não sabias o segredo,
perdes a vaidade.
Fora de ti há o mundo
e nele há tudo
que em ti não cabe.

Homem, até o barro tem poesia!
Olha as coisas com humildade.


Ferrnando Namora
in «Mar de Sargaços»

NÓS SOMOS




Como uma pequena lâmpada subsiste
e marcha no vento, nestes dias,
na vereda das noites, sob as pálpebras do tempo.

Caminhamos, um país sussurra,
dificilmente nas calçadas, nos quartos,
um país puro existe, homens escuros,
uma sede que arfa, uma cor que desponta no muro,
uma terra existe nesta terra,
nós somos, existimos

Como uma pequena gota às vezes no vazio,
como alguém só no mar, caminhando esquecidos,
na miséria dos dias, nos degraus desconjuntados,
subsiste uma palavra, uma sílaba de vento,
uma pálida lâmpada ao fundo do corredor,
uma frescura de nada, nos cabelos nos olhos,
uma voz num portal e a manhã é de sol,
nós somos, existimos.

Uma pequena ponte, uma lâmpada, um punho,
uma carta que segue, um bom dia que chega,
hoje, amanhã, ainda, a vida continua,
no silêncio, nas ruas, nos quartos, dia a dia,
nas mãos que se dão, nos punhos torturados,
nas frontes que persistem,
nós somos,
existimos.

António Ramos Rosa
in Sobre o Rosto da Terra

domingo, 19 de janeiro de 2014

JOSÉ SARAMAGO



A solidão não é viver só, a solidão é não sermos
capazes de fazer companhia a alguém ou a alguma
coisa que está dentro de nós, a solidão não é uma
árvore no meio duma planície onde só ela esteja,
é a distância entre a seiva profunda e a casca,
entre a folha e a raiz.

José Saramago,
in O Ano da Morte de Ricardo Reis

domingo, 5 de janeiro de 2014

FERNANDO PESSOA




"Tudo se me evapora. A minha vida inteira,
as minhas recordações,a minha imaginação e o que
contém, a minha personalidade, tudo se me evapora.
Continuamente sinto que fui outro, que senti outro,
que pensei outro. Aquilo a que assisto é um
espectáculo com outro cenário.
E aquilo a que assisto sou eu."

Fernando Pessoa






ALBERTO CAEIRO


"Procuro despir-me do que aprendi
Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram,
E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos,
Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras,
Desembrulhar-me e ser eu..."

Alberto Caeiro

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

CITAÇÃO



"Semeei meus sonhos onde você está pisando agora.
Pise suavemente, porque você está pisando nos
meus sonhos."


William Butler Yeats