terça-feira, 31 de dezembro de 2013
RECEITA DE ANO NOVO
Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação como todo o tempo já vivido
(mal vivido ou talvez sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser,
novo até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?).
Não precisa fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar de arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto da esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um ano-novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.
Carlos Drummond de Andrade
Texto extraído do "Jornal do Brasil", Dezembro/1997.
sábado, 21 de dezembro de 2013
NATAL
Leio o teu nome
Na página da noite:
Menino Deus...
E fico a meditar
No milagre dobrado
De ser Deus e menino.
Em Deus não acredito.
Mas de ti como posso duvidar?
Todos os dias nascem
Meninos pobres em currais de gado.
Crianças que são ânsias alargadas
De horizontes pequenos.
Humanas alvoradas...
A divindade é o menos.
Miguel Torga
In: Diário X, 24 Dez. 1966
domingo, 15 de dezembro de 2013
NELSON MANDELA
“Há pouca coisa favorável para se dizer a respeito da pobreza,
mas muitas vezes ela serve para incubar uma verdadeira amizade.
Muita gente faz amizade connosco quando somos ricos, mas são
muito poucos e preciosos os que se tornam nossos amigos quando
somos pobres. Se a riqueza é um ímã, a pobreza é uma espécie
de repelente. Mesmo assim a pobreza costuma revelar a verdadeira
generosidade nos outros.”
Nelson Mandela,
in "Longo Caminho para a Liberdade"
O POETA BEIJA TUDO
O poeta beija tudo, graças a Deus...
E aprende com as coisas a sua lição de sinceridade...
E diz assim: "É preciso saber olhar..."
E pode ser, em qualquer idade, ingénuo como as crianças,
entusiasta como os adolescentes e profundo como
os homens feitos...
E levanta uma pedra escura e áspera
para mostrar uma flor que está por detrás...
E perde tempo (ganha tempo...) a namorar uma ovelha...
E comove-se com coisas de nada: um pássaro que canta,
uma mulher bonita que passou, uma menina que lhe sorriu,
um pai que olhou desvanecido para o filho pequenino,
um bocadinho de sol depois de um dia chuvoso...
E acha que tudo é importante...
E pega no braço dos homens que estavam tristes
e vai passear com eles para o jardim...
E reparou que os homens estavam tristes...
E escreveu uns versos que começam desta maneira:
“O segredo é amar...”
Sebastião da Gama (1924-1952)
CESARE PAVESE
O ócio torna lentas as horas e velozes os anos.
A actividade torna rápida as horas e lentos os anos.
A infância é a actividade máxima, porque ocupada em
descobrir o mundo na sua diversidade.
Os anos tornam-se longos na recordação se, ao repensá-los,
encontramos numerosos factos a desenvolver pela fantasia.
Por isso, a infância parece longuíssima. Provavelmente,
cada época da vida é multiplicada pelas sucessivas
reflexões das que se lhe seguem: a mais curta é a velhice,
porque nunca será repensada.
Cada coisa que nos aconteceu é uma riqueza inesgotável:
todo o regresso a ela a aumenta e acresce, dota de
relações e aprofunda. A infãncia não é apenas a infância
vivida, mas a ideia que fazemos dela na juventude,
na maturidade, etc. Por isso, parece a época mais
importante, visto ser a mais enriquecida por considerações
sucessivas. Os anos são uma unidade da recordação;
as horas e os dias, uma unidade da experiência.
Cesare Pavese
in O Ofício de Viver
sexta-feira, 13 de dezembro de 2013
DÁ ROSAS, ROSAS, A QUEM SONHA ROSAS!
Dá rosas, rosas, a quem sonha rosas!
Ou não dês nada, que sonhar é tudo.
As flores naturais e preciosas
São as que eu sonho, transtornado e mudo.
Dá rosas, rosas, só em pensamento,
A quem não tem no mundo mais jardim
Que aquele que há entre o desejo e o intento
E onde haja as rosas que me dás a mim.
Fernando Pessoa,
in Poesia
domingo, 8 de dezembro de 2013
O BRANCO
Existir na realidade,
Crescer no invisível da voz imóvel,
Ouvir dentro de si gestos que cantam,
Forças que comandam movimentos,
Sentir o imponderável tombado sob os pés,
Ver a luz que dissolve todos os inícios
Intensamente iluminando o pensamento morto.
Existir na irrealidade,
No esquecimento de todas as coisas entendidas
Quebrando os ossos que nos fazem eretos,
Perscrutando todos os desejos que já são alheios.
No branco espesso da irrealidade
Permanecer no vácuo, depois altura,
depois fogo e depois nada.
Adalgisa Nery
In Erosão (1973)
sábado, 7 de dezembro de 2013
REPETIÇÃO
No abrir de cada dia
Está presente a sombra de todas as noite.
Mãos em desespero esvoaçam
Tentando atingir a fímbria da vida.
Lâmpadas reabastecidas
Na esperança da vinda do Grande Esperado.
A carne é devolvida ao pó
Enquanto a memória da nossa infância
Se apaga aos poucos na memória da infância dos nossos filhos
Diluída na dos nossos netos.
Memórias sem dono
Substituídas pelos tentáculos do ventre materno
Para a lenta e angustiante viagem para o exílio.
Adalgisa Nery
In Erosão (1973)
sexta-feira, 6 de dezembro de 2013
HÁ UM HOMEM À ENTRADA DOS MEUS SONHOS
Desato o sono e sento-me numa pedra, mais perto de mim.
E vi-o de novo.
Tão sereno como uma vereda para a nascente.
Digo, então, que há um homem à entrada dos meus sonhos.
Traz, nas mãos, promessas de trigo
e, no olhar, a alegria, presa por um fio.
Espanta-me a facilidade com que chora.
Deve ser por isso que existe um rio na minha insónia
e não posso ignorar a limpidez dos seus olhos.
Graça Pires
De Outono: lugar frágil, 1994
quinta-feira, 5 de dezembro de 2013
terça-feira, 3 de dezembro de 2013
A MANHÃ É DE TODOS
A Manhã é de todos -
A Noite - de alguns -
De poucos escolhidos -
A Auroreal luz.
Emily Dickinson,
in A branca voz da solidão.
Trad. José Lira.
domingo, 1 de dezembro de 2013
A SOLIDÃO
A solidão é como chuva.
Sobe do mar nas tardes em declínio;
das planícies perdidas na saudade
ela se eleva ao céu, que é seu domínio,
para cair do céu sobre a cidade.
Goteja na hora dúbia quando os becos
anseiam longamente pela aurora
quando os amantes se abandonam tristes
com a desilusão que a carne chora;
quando os homens, seus ódios sufocando,
num mesmo leito vão deitar-se: é quando
a solidão com os rios vai passando...
Rainer Maria Rilke,
in Poemas. Trad. Geir Campos
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