quarta-feira, 28 de agosto de 2013

CITAÇÃO


Depois de estar cansado de procurar 
Aprendi a encontrar. 
Depois de um vento me ter feito frente 
Navego com todos os ventos. 

Friedrich Nietzsche 
in "A Gaia Ciência".




terça-feira, 27 de agosto de 2013

PERFEIÇÃO



Pende curvo o firmamento, 
compacto azul sobre o dia.
Eis o arredondamento
do esplendor: é meio-dia.
Tudo é cúpula. Central
sem querer, a rosa, feita
cativa do sol no zênite.
E dá-se tanto o presente
que o pé caminhante sente
a inteireza do planeta. 

Jorge Guillén
Trad.:Izacyl Guimarães Ferreira




segunda-feira, 26 de agosto de 2013

ORAÇÃO DA NOITE



Trabalhei, sem revoltas nem cansaços,
No infecundo amargor da solitude:
As dores, - embalei-as nos meus braços,
Como alguém que embalasse a juventude...

Acendi luzes, desdobrando espaços,
Aos olhos sem bondade ou sem virtude;
Consolei mágoas, tédios e fracassos
E fiz, a todos, todo o bem que pude!

Que o sonho deite bênçãos de ramagens
E névoas soltas de distância e ausência
Na minha alma, que nunca foi feliz.

Escondendo-me as tácitas voragens
De males que me deram, sem consciência.
Pelos míseros bens que sempre fiz!... 


Cecília Meireles,
in Nunca Mais e Poemas dos Poemas

domingo, 25 de agosto de 2013

CITAÇÃO



“Quem Sai Sempre Chega. E quem foi, conta para quem ficou, 
que o importante é viajar, seja a bordo de uma jangada ou 
num sonho colorido.

Quem é mais feliz? Quem canta uma musica ou quem escuta?

Assim é viajar. Não importa se você viajou fisicamente ou 
apenas com sua mente.O importante é que você tenha
compartilhado desta louca e admirável emoção de sair do 
lugar comum e passear junto com os eternos viajantes que
ganharam asas, mas que realmente preferem viajar levando
consigo toda sua imaginação.”

(J.Ruy)



sábado, 24 de agosto de 2013

EU, NO TEMPO



Meu espírito caminha irreversivelmente para a irrealidade de tudo.
O universo para, de repente, à espera de minha infância.
Tudo repousa em seu lugar.
O tempo, no relógio.
O silencio, na pedra.
Jogo as máscaras fora e me identifico comigo
que me esperava há séculos.

Emílio Moura
In: Itinerário Poético

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

UM SORRISO



Vinha caindo a tarde. Era um poente de agosto.
A sombra já enoitava as moutas. A umidade
Aveludava o musgo. E tanta suavidade
Havia, de fazer chorar nesse sol-posto.

A viração do oceano acariciava o rosto
Como incorpóreas mãos. Fosse mágoa ou saudade,
Tu olhavas, sem ver, os vales e a cidade.
- Foi então que senti sorrir o meu desgosto…

Ao fundo o mar batia a crista dos escolhos…
Depois o céu… e mar e céus azuis: dir-se-ia
Prolongarem a cor ingênua de teus olhos…

A paisagem ficou espiritualizada.
Tinha adquirido uma alma. E uma nova poesia
Desceu do céu, subiu do mar, cantou na estrada…


Manuel Bandeira

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

VEM,PRIMAVERA



Vai embora ,inverno,
leva contigo o frio,
a solidão, a saudade
e deixa vir a primavera
vestir a terra de flores,
de verde, vida e cores.

Vem,primavera:
contigo renasce a vida,
brota de novo a poesia,
renova-se a esperança.

Vem,primavera:
lança sobre nós o sol,
raio de luz,força e cor,
essência de vida de nós,
pequenos filhos da terra.

Vem primavera:
abra sorrisos,corações,
botões e céu.
A festa da vida recomeça
e eu te festejo,
primavera.


Luiz Carlos Amorim
In Emoção não tem idioma

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

COMO SE O MAR SE APARTASSE



Como se o mar se apartasse
e revelasse outro mar,
e esse mar outro mar, e os três
fossem só a presunção
de mares consecutivos
despossuídos de praias...
E mares à margem de mares a vir...
Assim a Eternidade.


Emily Dickinson
Tradução de Paulo Mendes Campos

terça-feira, 20 de agosto de 2013

AGORA...


[...]
"Agora,
o remédio é partir discretamente,
sem palavras,
sem lágrimas,
sem gestos.
De que servem lamentos e protestos,
contra o destino?"...

Miguel Torga,

in "Diário XIII


segunda-feira, 19 de agosto de 2013

FUGA



Vento que passas, leva-me contigo
Sou poeira também, folha de outono.
Rês tresmalhada que não quer abrigo
No calor do redil de nenhum dono.


Leva-me, e livre deixa-me cair
No deserto de todas as lembranças,
Onde eu possa dormir 
Como no limbo dormem as crianças.


Miguel Torga
In: Antologia Poética

sábado, 17 de agosto de 2013

ABANDONO



Marcados por todas as violências 
eles afiam as pontas dos dedos 
nos subúrbios da noite 
para que nenhum medo os surpreenda. 
Eles vagueiam por becos 
que cheiram a fogo e a sangue 
armados de raiva, 
privados de sonhos, 
cobertos de abandono. 
São meninos da rua, 
ou pássaros em fuga 
desafiando a própria solidão.

Graça Pires
De Caderno de Significados

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

CAIO FERNANDO ABREU



"Você lê e sofre. 
Você lê e ri.
Você lê e engasga.
Você lê e tem arrepios. 
Você lê , e sua vida vai se
misturando no que está sendo lido."

Caio Fernando Abreu

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

TUDO ME É UMA DANÇA...


Tudo me é uma dança em que procuro
A posição ideal,
Seguindo o fio dum sonhar obscuro
Onde invento o real.
À minha volta sinto naufragar
Tantos gestos perdidos
Mas a alma, dispersa nos sentidos,
Sobe os degraus do ar…


Sophia de Mello Breyner Andresen
in POESIA,

terça-feira, 13 de agosto de 2013

SOBRE O CAMINHO



Nada

nem o branco fogo do trigo
nem as agulhas cravadas na pupila dos pássaros
te dirão a palavra

Não interrogues não perguntes
entre a razão e a turbulência da neve
não há diferença

Não colecciones dejectos o teu destino és tu

Despe-te
não há outro caminho

Eugénio de Andrade,
in "Véspera da Água"

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

COEXISTÊNCIA



Desgastou as arestas pessoais,
rebaixou a cordilheira interior,
no esforço de conviver.
Tomou o denominador comum.
Incorporou-se à fórmula geral.

Que olhar tão cansado de existir!


Helena Kolody,
in Viagem no Espelho

sábado, 10 de agosto de 2013

AS MÃOS DE MEU PAI



As tuas mãos tem grossas veias como cordas azuis
sobre um fundo de manchas já da cor da terra
- como são belas as tuas mãos 
pelo quanto lidaram, acariciaram ou fremiram da nobre
cólera dos justos…
Porque há nas tuas mãos, meu velho pai, essa beleza 
que se chama simplesmente vida.
E, ao entardecer, quando elas repousam nos braços 
da tua cadeira predileta,
uma luz parece vir de dentro delas…
Virá dessa chama que pouco a pouco, longamente,
vieste alimentando na terrível solidão do mundo,
como quem junta uns gravetos e tenta acendê-los 
contra o vento?
Ah, Como os fizeste arder, fulgir, com o milagre das 
tuas mãos!
E é, ainda, a vida que transfigura das tuas mãos
nodosas…
essa chama de vida – que transcende a própria vida
…e que os Anjos, um dia, chamarão de alma.


- Mario Quintana, 
in: Esconderijos do tempo

SOLIDÃO



Quedamos sempre sozinhos
Em nossas horas maiores

A dor, veneno latente,
Corrói-nos a alma em segredo.

A mais gloriosa alegria
Floresce na solidão.


Helena Kolody
In: Correnteza

MINHA ALMA TEM O PESO DA LUZ...



"Minha alma tem o peso da luz. 
Tem o peso da música. 
Tem o peso da palavra nunca dita, prestes quem sabe a ser dita. 
Tem o peso de uma lembrança. 
Tem o peso de uma saudade. 
Tem o peso de um olhar. 
Pesa como pesa uma ausência. 
E a lágrima que não se chorou. 
Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros." 

Clarice Lispector, 
in "O último bilhete escrito no hospital da Lagoa"
 Rio de Janeiro, 7/12/1977

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

SEMEIO SÓIS...



Semeio sóis
e sons
na terra viva

afundo os
pés
no chão: semeio e
passo.

Não me importa a colheita.


Orides Fontela,
in Trevo

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

ARTHUR RIMBAUD



Estendi cordas de campanário a campanário;
grinaldas de janela a janela;
correntes de ouro de estrela a estrela,
e danço.


Arthur Rimbaud

terça-feira, 6 de agosto de 2013

OS SONHOS DAS LAGARTAS



As lagartas não podem acreditar na lenda das borboletas 
-tão antiga entre o seu rastejante e esforçado povo...
mas sua felicidade consiste em relembrar, às vezes, 
o absurdo e maravilha desse velho sonho: 
o de se transformarem, um dia, em borboletas.

Mario Quintana , 
in Poemas para a Infância

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

NUNO JÚDICE



Todo o poema começa de manhã, com o sol. Mesmo
que o poema não esteja à vista (isto é, céu de chuva)
o poema é o que explica tudo, o que dá luz
à terra, ao céu, e com nuvens à mistura - a luz incomoda
quando é excessiva. Depois, o poema sobe
com as névoas que o dia arrasta; mete-se pelas copas das
árvores, canta com os pássaros e corre com os ribeiros
que vêm não se sabe de onde e vão para onde
não se sabe. O poema conta como tudo é feito:
menos ele próprio, que começa por um acaso cinzento,
como esta manhã, e acaba, também por acaso,
com o sol a querer romper.

Nuno Júdice,
in "Poesia Reunida"

sábado, 3 de agosto de 2013

WALT WHITMAN


"A pé e de coração leve enveredo pela estrada aberta
Saudável, livre, o mundo à minha frente 
À minha frente o longo atalho pardo levando-me aonde eu queira 
Daqui em diante, não peço boa-sorte.
Boa-sorte sou eu...”

Walt Whitman

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

A ÚLTIMA PINCELADA




Viveu em tempos um pintor
que nunca conseguia acabar de pintar uma
ave, fosse ela uma cegonha ou uma garça.
Quando se preparava para dar
a última pincelada, ela levantava vôo.
E o pintor ficava muito tempo ainda a persegui-la
com o pincel no céu
azul...

Jorge de Sousa Braga,
 in O Poeta Nu