terça-feira, 30 de abril de 2013

ENTRE O CÉU E O MAR



Entre o céu e o mar
Há o infinito de esperas,
Conflito de incertezas,
Interrogação de cores,
Tristeza no olhar,
Prenúncio de paisagens.

Alvina Nunes Tzovenos
in 'Busca de Infinitos'

IMPROVISO À JANELA



Este é o começo do dia,
como o começo e o fim do mundo:
as nuvens aprendem a voar,
os campos vão sonhando nuvens,
o vento vai sonhando o pó
onde tristemente o amor palpitará.

Este é o começo do dia.
Vemos tudo o que já foi visto,
alguma coisa não mais se verá.

Nem sempre olhamos o dia
tão face a face e tão docemente.
Nem sempre sentimos esta saudade,
ainda ausente, ainda futura,
do que há e do que não há.

Este é o começo do dia:
- do céu, da luz, da terra, dos homens,
que acontecerá?


Cecília Meireles
In: Poesia Completa
Dispersos 




segunda-feira, 29 de abril de 2013

CITAÇÃO


Penso muitas vezes no dia em que vislumbrei o mar
pela primeira vez. 
O mar é grande, o mar é imenso, o meu olhar 
vagueava pela praia fora e esperava ser libertado:
mas lá ao fundo, porém, estava o horizonte. 
Por que razão tenho eu um horizonte?
Da vida, eu esperei o infinito.

Thomas Mann
in Desilusão 
(Tristão e Outros Contos)

sexta-feira, 26 de abril de 2013

OUTONO


 
O Outono escreve com vento
longas cartas alaranjadas
de luz diáfana
e traz como um perfume
a presença dos amigos ausentes,
dos sonhos antigos,
dos desejos que guardávamos
em caixinhas de música.

O outono nos convida
para o longo baile
dos amores perdidos:
convém reinventar roupas
de seda e renda,
gestos lentos e palavras
tecidas com suspiros.

Roseana Murray
In Rios de alegria
 
 


quinta-feira, 25 de abril de 2013

CITAÇÃO


"... a vida simplesmente é poesia. 
Inconscientes, nós a vivemos dia-a-dia 
e fragmento por fragmento, mas, em sua
inviolável integridade é ela que nos vive,
ela que nos leva...".

 Lou Andreas-Salomé


domingo, 21 de abril de 2013

TEMA SEM VARIAÇÃO



Sequer apago as passadas
deste meu vagar sozinho,
sozinho em tantas estradas:
triturador de caminhos,
move-me um remoinho
de frescas águas passadas.

Geir Campos
In Canto Claro

quinta-feira, 18 de abril de 2013

TELHADO


Tingem o dia
buganvílias no telhado
incêndio de flores.

Roseana Murray,
in Poemas para ler na escola

quarta-feira, 17 de abril de 2013

VOZ DA NOITE

 foto by  Luiz Alberto Ferreira


O sol se apaga.
De mansinho,
a sombra cresce.

A voz da noite
diz, baixinho:
esquece...esquece...


Helena Kolody,
in Sinfonia da Vida

domingo, 14 de abril de 2013

CITAÇÃO


“Vingarmo-nos de um mal de que fomos vítimas 
é privarmo-nos do conforto de gritarmos 
contra a injustiça.”

Cesare Pavese







quinta-feira, 11 de abril de 2013

AR LIVRE



A menina translúcida passa.
Vê-se a luz do sol dentro dos seus dedos.
Brilha em sua narina o coral do dia.

Leva o arco-íris em cada fio de cabelo.
Em sua pele, madrepérolas hesitantes
pintam leves alvoradas de neblina.

Evaporam-se-lhe os vestidos na paisagem.
É apenas o vento que vai levando seu corpo pelas alamedas.
A cada passo, uma flor, a cada movimento, um pássaro.

E quando pára na ponte, as águas todas vão correndo,
em verdes lágrimas para dentro dos seus olhos.

Cecília Meireles,
in Retrato Natural

quarta-feira, 10 de abril de 2013

FOTOGRAFIA AMARELADA



O tempo pinta de amarelo
a fotografia:
de amarelo os olhares,
os sorrisos, as roupas,
as mãos, os sapatos.
Não é um amarelo qualquer:
é uma espécie de outono,
é um amarelo saudade.

Roseana Murray,
in Todas as Cores dentro do Branco

terça-feira, 9 de abril de 2013

ROSEANA MURRAY


O livro é a casa
onde se descansa
do mundo.

O livro é a casa
do tempo,
é a casa de tudo.

Mar e rio
no mesmo fio,
água doce e salgada.

O livro é onde
a gente se esconde
em gruta encantada.

Roseana Murray


segunda-feira, 8 de abril de 2013

A CREPITAÇÃO



A CREPITAÇÃO

Qualquer vida é naufrágio e perdimento.
Quando chegamos ao fim da restinga
encontramos apenas mar e vento.

Onde estão nossos sonhos? Um errante
raio de sol sumiu entre a folhagem,
dentro de nós o dia fez-se pálido.

Cercado pela luz da madrugada
e de mim rodeado, estou sozinho
entre as grutas da terra e a ira do mar.

Última luz da derradeira festa,
crepita na manhã a eternidade.
E a eternidade é tudo o que me resta.

Lêdo Ivo

sexta-feira, 5 de abril de 2013

RAINER MARIA RILKE


"Se não existir nada de comum entre você e as outras pessoas,
procure viver próximo das coisas. Elas não o abandonarão.
Ainda há noites, e ventos que silvam entre as árvores e por 
cima de muitas terras. Ainda, em coisas e em animais,
está tudo repleto de acontecimentos que você pode compartilhar.
E também as crianças continuam a ser como você próprio foi
em criança: tão tristes e tão felizes.
Enquanto você pensa na sua Infância, voltará a viver entre elas,
as crianças solitárias.
E então, as pessoas maiores já não significarão nada,
nem terá qualquer valor a sua dignidade.”

Rainer Maria Rilke,
in Cartas a Um Jovem Poeta

quinta-feira, 4 de abril de 2013

MAR ABSOLUTO



O mar risca a esquadro
a linha do horizonte

Ali arde uma sede
além de qualquer fonte

O alto voo grave
além de toda ave

O desmedido espaço
infindo a cada passo


Helio Pellegrino
in Minérios Domados

LEITURA NATURAL



Tendo lido os jornais
- infectado a mente, enauseado os olhos -
descubro, lá fora, o azul do mar
e o verde repousante que começa nas samambaias da sala
e recrudesce nas montanhas.

Para que perco tantas horas do dia
nessas leituras necessárias e escarninhas?
Mais valeria, talvez, nas verdes folhas, ler
o que a vida anuncia.

Mas vivo numa época informada e pervertida.
Leio a vida que me imprimem
e só depois
o verde texto que me exprime.

Affonso Romano de Sant’Anna