sábado, 31 de março de 2012

BUGANVÍLIAS


Elas sobem paredes,
rondam portões,
derrubam cores aos borbotões.
Litigantes,
empurra-empurram-se
Buganvílias
em vicejante briga de família.


Flora Figueiredo

SÃO ESTAS AS CORES


Se a alguém tens
de agradecer, agradece
primeiro à vida.Por isto,
quanto mais não seja: por teres
nascido de pé e de pé
resistires aos temporais
como as árvores
de raízes fundas.Como a elas,
só te arrancarão à força.Podem,
então, encher-te a boca de terra e os olhos
de sal. São estas
as cores da vergonha.

Albano Martins
In Escrito a Vermelho

EXPLICAÇÃO DE POESIA SEM NINGUÉM PEDIR


Um trem-de-ferro é uma coisa mecânica,
mas atravessa a noite, a madrugada, o dia,
atravessou minha vida,
virou só sentimento.

Adélia Prado

sexta-feira, 30 de março de 2012

DA MÚSICA


A música derrama-se
no corpo terroso
da palavra.
Inclina-se
no mundo em mutação
do poema.

A música traz na bagagem
a memória do sangue;
o caminho do sol:
Lume e cume
de palavras polidas.

A música rompe um rio de lava
por si mesmo criado.
Lágrima endurecida
onde cabem o mar
e a morte.

Casimiro de Brito,

in "Canto Adolescente"

A HÓSPEDE

(foto by Simone W. Grande)

Não precisas bater quando chegares.
Toma a chave de ferro que encontrares
sobre o pilar, ao lado da cancela,
e abre com ela
a porta baixa, antiga e silenciosa.
Entra. Aí tens a poltrona, o livro, a rosa,
o cântaro de barro e o pão de trigo.
O cão amigo
pousará nos teus joelhos a cabeça.
Deixa que a noite, vagarosa, desça.
Cheiram à relva e sol, na arca e nos quartos,
os linhos fartos,
e cheira a lar o azeite da candeia.
Dorme. Sonha. Desperta. Da colméia
nasce a manhã de mel contra a janela.
Fecha a cancela
e vai. Há sol nos frutos dos pomares.
Não olhes para trás quando tomares
o caminho sonâmbulo que desce.
Caminha - e esquece.

Guilherme de Almeida

ARAUCÁRIA


Nasci forte e altiva,
Solitária.
Ascendo em linha reta
- Uma coluna verde-escura
No verde cambiante da campina.
Estendo braços hirtos e serenos

Não há na minha fronte
Nem veludos quentes de folhas
Nem risos vermelhos de flores,
Nem vinhos estoantes de perfumes.
Só há o odor agreste da resina
E o sabor primitivo dos frutos.

Espalmo a taça verde no infinito.
Embalo o sono dos ninhos
Ocultos em meus espinhos,
Na silente nudez do meu isolamento

Helena Kolody

CITAÇÃO


"Se depender de mim, nunca ficarei
plenamente maduro nem nas idéias,
nem no estilo,mas sempre verde,
incompleto, experimental".

Gilberto Freyre

O QUE ME DÓI...


O que me dói não é
O que há no coração
Mas essas coisas lindas
Que nunca existirão ...

São as formas sem forma
Que passam sem que a dor
As possa conhecer
Ou as sonhar o amor.

São como se a tristeza
Fosse árvore e, uma a uma,
Caíssem suas folhas
Entre o vestígio e a bruma.

Fernando Pessoa
in Cancioneiro

quinta-feira, 29 de março de 2012

ALBA


Não faz mal que amanheça devagar,
as flores não tem pressa nem os frutos:
sabem que a vagareza dos minutos
adoça mais o outono por chegar.
Portanto não faz mal que devagar
o dia vença a noite em seus redutos
de leste - o que nos cabe é ter enxutos
os olhos e a intenção de madrugar.


Geir Campos

E AO ANOITECER



e ao anoitecer adquires nome de ilha ou de vulcão
deixas viver sobre a pele de uma criança de lume
e na fria lava da noite ensinas ao corpo
a paciência o amor o abandono das palavras
o silêncio
e a difícil arte da melancolia

Al Berto

ANIVERSÁRIO DE CURITIBA - 319 anos

foto by Daniel Caron

"Curitiba é prosa em forma de poesia.

Aqui não há mar nem montanhas.

A beleza concreta de suas esquinas é mais sutil,

cor viva que brota de seu povo"


Daniel Caron

CURITIBA



Cidade, sorriso.
Em cada esquina uma rima.
Canção, paraìso...

Delores Pires

CURITIBA


Atrás do lençol de nuvens
Curitiba
meu exercício de sonhos.


Edival Perrini
in armazém de ecos e achados


INVERNO



Chegou junho...

E Curitiba vestiu-se toda de branco
e apertou o seio túmido,
que cheira a malva, em rendas alvas,
e pôs no cabelo a estrela da manhã
pensando que o sol claro
era um príncipe louro e jovem
que vinha
todo coberto de ouro,
para pedir-lhe a mão...
Oh, logo à noite, ela porá, sem dúvida,
o seu colar de fogueira de São João...

Tasso da Silveira,
in Canções a Curitiba
& outros poemas

GEADA





Nas manhãs de frio
a paisagem, tiritando,
se veste de branco.

Delores Pires,
in O Livro dos Haicais

quarta-feira, 28 de março de 2012

MAGNIFICAT




Quando é que passará esta noite interna, o universo,
E eu, a minha alma, terei o meu dia?
Quando é que despertarei de estar acordado?
Não sei. O sol brilha alto,
Impossível de fitar.
As estrelas pestanejam frio,
Impossíveis de contar.
O coração pulsa alheio,
Impossível de escutar.
Quando é que passará este drama sem teatro,
Ou este teatro sem drama,
E recolherei a casa?
Onde? Como? Quando?
Gato que me fitas com olhos de vida, que tens lá no fundo?
É esse! É esse!
Esse mandará comoJosué parar o sol e eu acordarei;
E então será dia.
Sorri dormindo minha alma!
Sorri , minha alma, será dia!

Álvaro de Campos

ENTRE PARTIR E FICAR



Entre partir e ficar hesita o dia,
enamorado de sua transparência.

A tarde circular é uma baía:
em seu quieto vai e vem se move o mundo.

Tudo é visível e tudo é ilusório,
tudo está perto e tudo é intocável.

Os papéis, o livro, o vaso, o lápis
repousam à sombra de seus nomes.

Pulsar do tempo que em minha têmpora repete
a mesma e insistente sílaba de sangue.

A luz faz do muro indiferente
Um espectral teatro de reflexos.

No centro de um olho me descubro;
Não me vê, não me vejo em seu olhar.

Dissipa-se o instante. Sem mover-me,
eu permaneço e parto: sou uma pausa.

Octavio Paz

PERDÃO


Aqui me tens, meu Deus, em confissão.
Não roubei. Não matei. Não caluniei.
Mas nem sempre segui a tua lei,
nem sempre fui a irmã do meu irmão.

Não recusei aos outros o meu pão.
Amor, algumas vezes, recusei.
Mas por tudo o que dei e o que não dei,
eu te peço, meu Deus, o meu perdão.

Perdão para os meus pecados
e para os meus pecados inocentes,
para o mal que já fiz e ainda fizer ...

Perdão para esta culpa original,
para este longo e complicado mal:
o crime sem perdão de ser mulher.


Fernanda de Castro



segunda-feira, 26 de março de 2012

PLATEIA


Não sei quantos seremos, mas que importa?!
um só que fosse e já valia a pena.
Aqui, no mundo, alguém que se condena
A não ser conivente
Na farsa do presente
Posta em cena!
Não podemos mudar a hora da chegada,
Nem talvez a mais certa,
A da partida.
Mas podemos fazer a descoberta
Do que presta
E não presta
Nesta vida.
E o que não presta é isto, esta mentira
Quotidiana.
Esta comédia desumana
E triste,
Que cobre de soturna maldição
A própria indignação
Que lhe resiste.


Miguel Torga
in Câmara Ardente

A VERDADEIRA ARTE DE VIAJAR



A gente sempre deve sair à rua como quem foge
de casa,
como se estivessem abertos diante de nós todos
os caminhos do mundo...
Não importa que os compromissos,as obrigações,
estejam logo ali...
Chegamos de muito longe, de alma aberta e o
coração cantando!

Mario Quintana,
in a Cor do Invisível

MEUS AMIGOS...


meus amigos
quando me dão a mão
sempre deixam
outra coisa
presença
olhar
lembrança calor
meus amigos
quando me dão
deixam na minha
a sua mão

Paulo Leminski
in Melhores Poemas

PÉTALAS



Violetas derramam luz roxa
no parapeito branco da janela.
Toco em suas folhas de veludo escuro
e por um momento
minhas mãos se tornam pétalas

Roseana Murray,
in Todas as Cores Dentro do Branco

domingo, 25 de março de 2012

MOMENTO



O vôo dos pássaros prolonga
a beleza das tardes.
E há, em nosso olhar,
um vasto dealbar.
Tudo, em grandeza, torna-se possível.
O visível nasce do invisível.
As nuvens acenam, de repente.
A aquilo que emergiu
é o emergente.

Artur Eduardo Benevides

sábado, 24 de março de 2012

XXVII


Vive-se uma só vez.
Por cem anos, um mês
ou apenas um dia...
No insípido entremez,
com mágoa ou alegria,
vive-se uma só vez.

Onestaldo de Pennafort,
in Poesia

EXPLICAÇÃO DA ETERNIDADE




devagar, o tempo transforma tudo em tempo.
o ódio transforma-se em tempo, o amor
transforma-se em tempo, a dor transforma-se
em tempo.

os assuntos que julgávamos mais profundos,
mais impossíveis, mais permanentes e imutáveis,
transformam-se devagar em tempo.

por si só, o tempo não é nada.
e idade de nada é nada.
a eternidade não existe.
no entanto, a eternidade existe.

os instantes dos teus olhos parados sobre mim eram eternos.
os instantes do teu sorriso eram eternos.
os instantes do teu corpo de luz eram eternos.

foste eterna até ao fim.


José Luís Peixoto,
in "Uma Casa na Escuridão"

sexta-feira, 23 de março de 2012

FRAGMENTO


"...era ainda jovem demais para saber que
a memória do coração elimina as más lembranças
e enaltece as boas e que graças a este artifício
conseguimos suportar o passado” .

Gabriel Garcia Marquez
in Amor nos tempos do Cólera

GATO QUE BRINCAS NA RUA


Gato que brincas na rua
Como se fosse na cama,
Invejo a sorte que é tua
Porque nem sorte se chama.

Bom servo das leis fatais
Que regem pedras e gentes,
Tu tens instintos gerais
E sentes só o que sentes.

És feliz porque és assim,
Todo o nada que és é teu.
Eu vejo-me e estou sem mim,
Conheço-me e não sou eu.


Fernando Pessoa

FRAGMENTO


"A gente já espera ficar triste no outono
Uma parte da gente morre a cada ano,
quando as folhas caem das árvores e seus
galhos ficam nus, batidos pelo vento e a
luz torna-se fria, invernal.
Mas sabíamos que haveria sempre outra
primavera..."

Ernest Hemingway
in Paris é uma Festa

O ESPIRITO DO OUTONO


Será
a embriaguez? O vento matinal
arrastando folhas
raparigas canções?
O sopro frio das estrelas?
Será a beleza,
o espírito do outono? Há um limite
para o homem, um limite
para suportar o peso do mundo.
Da beleza, da bárbara
orgulhosa beleza, quem sabe defender-se
sem medo do coração lhe rebentar?


Eugénio de Andrade,
In ‘O sal da língua’

CECÍLIA MEIRELES



"...Hoje eu quereria ler uns livros que não falam de gente, mas só de bichos,
de plantas, de pedras: um livro que me levasse por essas solidões da Natureza,
sem vozes humanas, sem discursos, boatos, mentiras, calúnias, falsidades,
elogios, celebrações... "


Cecília Meireles
in Compensação

A ORQUÍDEA


A orquídea parece
uma flor viva, uma
boca, e nos assusta.
Flor aracnídea.
Vagamente humana,
boca, embora feita
de inocentes pétalas,
já supõe perfídia.
Já supõe palavra
embora muda
Já supõe insídia.
Que estará dizendo
o lábio quase humano
da orquídea?


Cassiano Ricardo
in Antologia Poética

DA MÚSICA



A musica derrama-se
no corpo terroso
da palavra. Inclina-se
no mundo em mutação
do poema.
A música traz na bagagem
a memória do sangue; o caminho
do sol: Lume e cume
de palavras polidas.
A música rompe um rio de lava
por si mesmo criado. Lágrima
endurecida
onde cabem o mar
e a morte.


Casimiro de Brito, in
Canto Adolescente

POEMA DA DEVASTAÇÃO




Há uma devastação
nas coisas e nos seres,
como se algum vulcão
abrisse as sobrancelhas
e ali, sobre esse chão,
pousassem as inteiras
angústias, solidões,
passados desesperos
e toda a condição
de homem sem soleira,
ventura tão curta,
punição extrema.

Há uma devastação
nas águas e nos seres;
os peixes, com seus viços,
revolvem-se no umbigo
deste vulcão de escamas.
Há uma devastação
nas plantas e nos seres;
o homem recurvado
com a pálpebra nos joelhos.
As lavas soprarão,
enquanto nós vivermos.



Carlos Nejar

ENTARDECER



Vem, com a velhice, esta serenidade
Que nos faz ver o mundo sem rancor,
Ter um suave sorriso de piedade
Para quem no ódio viva, odiando o amor.
A ceticismo torna-se a vontade
De ser bom, fazer bem seja a quem for;
Ao mau que não tem culpa da maldade,
Ao que é, por seu destino, sofredor.
Abençoada velhice! Os desenganos
Que nas lições da vida ela nos traz
Nos trazem lucros, não nos trazem danos;
Vemos que a luta que ficou atrás
Não vale, bem medida, os poucos anos
Que nos resta viver, vivendo em paz.



Bastos Tigre

quarta-feira, 21 de março de 2012

SIM, EU TENTO



Sim, eu quis escrever
um poema alegre.

Sim, eu quis antever
um poema alegre.

Sim, eu quis até viver
um poema alegre.

Mas, a vida me impôs
uma tristeza imensa.

A vida me expôs
uma franqueza intensa.

Então, não havia escolha:
como a tristeza no bolso,
esmago a ausência insana.

Mas eu quis, sim, escrever
um poema alegre.

Apenas um, porque é preciso:
enquanto ainda sobrevivo.


Jairo De Britto, em
"Dunas de Marfim"

OLHAS O AMANHECER


Olhas o amanhecer,
vives o amanhecer como o único instante
em que o céu é entreaberto segredo de um deus mudo.

Espera: algo vai se revelar e deves estar pronto
para mergulhar teu sonho num poço de luz casta.

O intocado te espera. E amanhece. E te iluminas
como se trincasses com os dentes a polpa do absoluto.


Alphonsus de Guimaraens Filho,
in Luz de Agora

PARA ALÉM DA CURVA DA ESTRADA


Para além da curva da estrada
Talvez haja um poço, e talvez um castelo,
E talvez apenas a continuação da estrada.
Não sei nem pergunto.
Enquanto vou na estrada antes da curva
Só olho para a estrada antes da curva,
Porque não posso ver senão a estrada antes da curva.
De nada me serviria estar olhando para outro lado
E para aquilo que não vejo.
Importemo-nos apenas com o lugar onde estamos.
Há beleza bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer.
Se há alguém para além da curva da estrada,
Esses que se preocupem com o que há para além da curva da estrada.
Essa é que é a estrada para eles.
Se nós tivermos que chegar lá, quando lá chegarmos saberemos.
Por ora só sabemos que lá não estamos.
Aqui há só a estrada antes da curva, e antes da curva
Há a estrada sem curva nenhuma.

Alberto Caeiro
in "Poemas Inconjuntos"

HÁ UMA SOLIDÃO NO CÉU


Há uma solidão no céu,
uma solidão no mar
e uma solidão na morte.
Mas fazem todas companhia
comparadas a este local profundo,
esta polar intimidade,
uma Alma que reconhece a Si mesma:
finita infinidade.


Emily Dickinson
Tradução de Paulo Mendes Campos

A MEU FAVOR


A meu favor
Tenho o verde secreto dos teus olhos
Algumas palavras de ódio algumas palavras de amor
O tapete que vai partir para o infinito
Esta noite ou uma noite qualquer
A meu favor
As paredes que insultam devagar
Certo refúgio acima do murmúrio
Que da vida corrente teime em vir
O barco escondido pela folhagem
O jardim onde a aventura recomeça.


Alexandre O'Neil
in Poesias Completas

MARIA FUMAÇA



Maria Fumaça
um trem que apitando vem.
Saudade que passa.

Delores Pires,
in O Livro dos Haicais


terça-feira, 20 de março de 2012

À NOITE SONHAMOS



À noite, seguimos descuidados,
a vida é solta, árvores nítidas de aromas,
flores tão lágrimas de orvalho.

À noite sonhamos em um céu de metáforas
onde a mínima lua
é unha que arrepia segredos
estrelas são hangares pequeninos -
a sombra, um dócil lobo que nos chama.

À noite, rompemos degredos,
volvemos aos ninhos,
somos meninos -

infância distraída de seus medos.



Fernando Campanella

DESPEDIDAS




Começo a olhar as coisas
como quem, se despedindo, se surpreende
com a singularidade
que cada coisa tem
de ser e estar.

Um beija-flor no entardecer desta montanha
a meio metro de mim, tão íntimo,
essas flores às quatro horas da tarde, tão cúmplices,
a umidade da grama na sola dos pés, as estrelas

Nada mais é gratuito, tudo é ritual.
Começo a amar as coisas
com o desprendimento que só têm
os que amando tudo o que perderam
já não mentem.


Affonso Romano de Sant’Anna
In Epitáfio para o Séc.XX

SAUDADES



"Sentirei saudades dessa casa que só vi por fora
e na qual não conheço ninguém, a mesma nostalgia
que sinto de uma verdadeira pátria, de lugares
onde fui criança e feliz, pois também aqui, por
quinze minutos, fui criança e feliz."

Hermann Hesse,
in Caminhada


LIBERDADE...




"Que nada nos limite...
Que nada nos defina...
Que nada nos sujeite...
Que a liberdade
seja a nossa própria substância..."

Simone de Beauvoir

SE OS POETAS DESSEM AS MÃOS



Se os poetas dessem as mãos
 
e fechassem o mundo
 
no grande abraço da poesia,
 
cairiam as grades das prisões
que nos tolhem os passos,
os arames farpados
que nos rasgam os sonhos,
os muros de silêncio,
as muralhas da cólera e do ódio,
as barreiras do medo,
e o dia, como um pássaro liberto,
desdobraria enfim as asas
sobre a noite dos homens.
 
Se os poetas dessem as mãos
e fechassem o mundo
no grande abraço da poesia.
 
Fernanda de Castro, in
"Ronda das Horas Lentas"

O SONHO



Pelo Sonho é que vamos,
comovidos e mudos.
Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não haja frutos,
pelo sonho é que vamos.

Basta a fé no que temos,
Basta a esperança naquilo
que talvez não teremos.
Basta que a alma demos,
com a mesma alegria,
ao que desconhecemos
e do que é do dia-a-dia.

Chegamos? Não chegamos?

- Partimos. Vamos. Somos.




Sebastião da Gama

SIGNIFICADO



No poema
e nas nuvens,
cada qual descobre
o que deseja ver.

Helena Kolody


in Poesia Mínima

OUTONO



As folhas caem como se do alto
caíssem, murchas, dos jardins do céu;
caem com gestos de quem renuncia.


E a terra, só, na noite de cobalto,
cai de entre os astros na amplidão vazia.

Caimos todos nós. Cai esta mão.
Olha em redor: cair é a lei geral.

E a terna mão de Alguém colhe, afinal,
todas as coisas que caindo vão.

Rainer Maria Rilke

segunda-feira, 19 de março de 2012

LEMBRANÇAS DO LUGAR


LEMBRANÇAS DO LUGAR

Querida, vê no pranto que extravasa
o coração quando a lembrança aflora...
Os gerânios... As rosas... Como atrasa
o tempo entre o crepúsculo e a aurora!

Há sonhos que ainda vagam pela casa
em meu rústico albergue da memória...
E ainda um lírio que a min’alma vaza
de saudade do amor que ainda chora...

Nos beirais da varanda as andorinhas
bailam, querida, e as ninfas seminuas
das ribeiras em flor bailam sozinhas...

Beirando a vida nos beirais das ruas,
tu vives de sentir saudades minhas
e eu morro de sentir saudades tuas...

A. Estebanez

A MAGNÓLIA



A Magnólia

Sem paixão plantei-a no meio
do jardim. Pesado tributo
à insolvência dos dias.

Bandeiras de cor verde-ferrugem
transeunte natureza de amor desvelam
caravela de pássaros e o vento nas ramas
alegre o riso
na onda: o arco-íris.

(Comprei vestidos sem cor
e – pelo verão – esperei
as vergônteas da morte.
A água que bebi era de cinza.)

Nuvens se espedaçam
inflam botões
alvos
sorrisos na relva
e o chá vertido nas flores bebemos
da lembrança.

(Se nasceram luas apenas
é pétalas decepadas
acaso fui eu
acaso fui
eu?)

Dora Ferreira da Silva
In: Poesia Reunida